Brasileiros no calcio

Tente falar de Emerson com um romanista sem ouvir uma ofensa

Inteligência tática, disciplina e ótima leitura de jogo. Aliados com a incansável caça ao adversário, Emerson saiu do Grêmio para ser capitão da seleção brasileira e fazer carreira na Europa. Conhecido como “Puma”, o volante brasileiro ajudou na conquista do terceiro scudetto da história da Roma e, após ser virar ídolo da torcida, foi chamado de mercenário ao trocar o clube da capital pela Juventus.

Gaúcho, Emerson iniciou sua carreira no Grêmio, mas passou nas categorias inferiores do Botafogo por um ano antes de fazer sucesso no Olímpico. Lá, mostrou seu cartão de visitas: em pouco mais de três anos, o volante fez 74 jogos e marcou oito gols – além de ter conquistado Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Libertadores. Ele era o motorzinho do Grêmio, pois corria o campo inteiro e arriscava chutes de fora da área.

O bom momento que vivia no Brasil chamou a atenção do Bayer Leverkusen, que comprou o jogador no meio de 1997. O ano também foi o da primeira convocação para a seleção brasileira. Em sua estréia, contra o Equador, marcou um dos gols na vitória por 4 a 2. Nos anos seguintes, foi à Copa do Mundo, na França, e foi campeão da Copa América de 1999.

O título nacional da Lazio em 1999-00 enlouqueceu o presidente romanista, Franco Sensi. Ele deu carta branca ao diretor esportivo Franco Baldini, que gastou 120 bilhões de liras (cerca de 62 milhões de euros) no verão com Jonathan Zebina, Walter Samuel, Gabriel Batistuta e Emerson. Destes 120 bilhões, 35 foram para tirar o capitão da seleção brasileira do futebol alemão. O contrato era válido por cinco temporadas, com salário anual médio de 7,2 bilhões de liras.

Inspirado por outro gaúcho que fez história na Roma, o colorado Falcão, o volante queria vencer campeonatos. Mas para entrar em campo oficialmente, Emerson teve de esperar seis meses: rompeu os ligamentos cruzados anteriores do joelho esquerdo durante a pré-temporada e ficou cinco meses no estaleiro. Essa lesão lhe remeteu ao ano de 1995, quando uma contusão na perna direita quase o fez largar o futebol. Ele deu a volta por cima, e chorou durante o empate em um amistoso contra o AEK Atenas, quando ouviu mais de 70 mil torcedores cantando em seu apoio, na apresentação da equipe para a temporada.

Emerson foi importante para o scudetto que a Roma conquistou em 2001 (Allsport)

O brasileiro estreou na Serie A contra o Napoli em 28 de janeiro de 2001, substituindo Delvecchio, e como titular, somente contra o Bologna, em 11 de fevereiro. Depois, não perdeu mais a posição na equipe: Emerson tinha uma importância tática monstruosa na equipe de Fabio Capello. O treinador mudou o esquema tático giallorossi do 4-4-2 de marcação à zona (utilizado na temporada anterior) para o 3-4-1-2.

No papel, o time parecia jogar com cinco atrás, mas os alas Cafu e Vincent Candela empurravam os lados da defesa para o ataque. Como os zagueiros não eram velozes (Zago, Samuel e Aldair), cabia a Tommasi, Cristiano Zanetti e, principalmente, Emerson garantirem a segurança defensiva, além de levar a bola ao ataque. A alta performance na temporada levou a Roma ao scudetto 18 anos depois da conquista de Falcão, Giannini e Bruno Conti. A festa do título levou mais de um milhão de pessoas ao Circo Massimo – mais gente do que festejou a vitória italiana na Copa de 2006.

Ao fim da temporada já havia se tornado Emerson, o Puma. Seus movimentos “felinos” no meio-campo faziam os torcedores irem à loucura. Até o diretor Giancarlo De Sisti dizia que se Falcão foi rei e Giannini, príncipe, Emerson seria o imperador. Ele manteve a regularidade nas duas épocas seguintes, que ainda tiveram a Roma como vencedora da Supercoppa logo no início da temporada pós-scudetto.

Foram 13 gols em 89 jogos entre 2001-03, mas a excelente fase do volante não pode ser aproveitada pela seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2002. Em um treinamento, Emerson sofreu uma luxação no ombro e ficou de fora da campanha invicta do pentacampeonato.

Em 2004, a Roma sentia os efeitos dos gastos astronômicos daquela primeira janela de transferências de 2000. Emerson dizia que queria renovar, mas a Italpetroli, conglomerado pertencente à família Sensi e da qual fazia parte a sociedade romanista, estava em apuros e precisava vender jogadores. Samuel foi negociado com o Real Madrid e Emerson poderia acompanhá-lo.

Emerson, Dida e Kaká: três dos brasileiros mais importantes na Serie A dos anos 2000 (AFP/Getty)

Emerson chegou a anunciar, em maio, que gostaria de permanecer em Roma, mas tudo mudou repentinamente um mês depois. Havia alguns boatos de que Fabio Capello, recém-transferido à Juventus, mantinha conversas com alguns jogadores para levar a Turim. O brasileiro, fundamental ao esquema de Capello na Roma, decidiu que queria ir à Juve, rival histórica da Roma.

A Roma pedia um valor considerado alto demais pela Juventus do diretor esportivo Luciano Moggi. Com o emperramento nas negociações, o brasileiro começou a demonstrar sinais de impaciência até que, em 13 de julho, quando o time iria à Irdning, para a pré-temporada na Áustria, o brasileiro chegou com uma carta do médico que atestava depressão e não podia treinar. A carta foi interpretada pela direção da Roma como um golpe sujo do jogador e como uma tentativa de forçar a transferência para a Velha Senhora.

Emerson não partiu para a pré-temporada romanista e as negociações continuavam até que, no fim de julho, os clubes entraram em acordo: o caminho sem volta de Emerson à capital custaria, à Juve, 12 milhões de euros mais os direitos federativos de Brighi. Furiosos, os torcedores romanistas apontavam – e apontam até hoje – o Puma como traidor e mercenário.

No mundo esportivo, a transferência também dividia opiniões. “Devo dizer que a maneira como ele deixou a Roma, indo para a Juventus, deixou a todos por aqui com um gosto amargo na boca…”, disse o capitão romanista Francesco Totti. Luciano Moggi, diretor bianconero, comparou essa transação com a de Figo para o Real Madrid. Emerson, no entanto, não se abalava: “Sensi me autorizou a fazer contatos com outras equipes desde dezembro passado. Tenho a consciência limpa”.

A transferência de Emerson foi apenas o início de uma temporada cheia de dissabores para a Roma: primeiro, o técnico Cesare Prandelli teve de deixar o cargo logo no início de campeonato por um grave problema de saúde de sua esposa, sendo sucedido por três técnicos (Rudi Völler, Luigi Del Neri e Bruno Conti), que levaram a equipe à modesta 8ª colocação. Na Coppa Italia, a Inter venceu a final com um golaço de falta do ex-laziale Sinisa Mihajlovic.

Já no fim da carreira, Emerson teve uma passagem apagada pelo Milan (New Press/Getty)

Emerson, que nada mais tinha a ver com isso, apenas se cobria de glórias em Turim e vivia a grande fase de sua carreira. Nos dois anos na cidade da Fiat, conquistou dois scudetti fazendo um meio-campo fortíssimo ao lado de Patrick Vieira, Pavel Nedved e Mauro Camoranesi. No entanto, dois anos depois, a justiça esportiva italiana descobriu o maior escândalo de manipulação de resultados da história do futebol nacional e revogou os dois títulos juventinos, além de punir o clube com o rebaixamento para a Serie B e responsabilizar criminalmente os diretores Luciano Moggi, Antonio Giraudo e Roberto Bettega.

Fabio Capello deixou o clube para assumir o Real Madrid e aproveitou que a Juventus precisava vender jogadores para solicitar a contratação de dois jogadores do clube: Fabio Cannavaro e, claro, Emerson, que foi comprado por 16 milhões de euros. Apesar das performances ruins na Espanha, o Puma continuava dentro dos planos de Carlos Alberto Parreira na seleção brasileira. Agraciado pelas prestações dos últimos anos e pelas performances que levaram ao título da Copa das Confederações e nas Eliminatórias, foi convocado para a Copa do Mundo de 2006 e fez seu último jogo com a camisa verde e amarela contra Gana, nas oitavas de final.

O declínio na relação entre ele e Capello fez com que o brasileiro desejasse retornar à Juventus. Entretanto, quando o time voltou a jogar bem, principalmente quando o meio-campo era semelhante ao da Juve, formado por Beckham e Guti, abertos, e Mahamadou Diarra ao seu lado, Emerson voltava a ser grande e ajudou o clube a chegar ao título espanhol. Apesar de querer permanecer no clube, a demissão de Capello fez com que Emerson também deixasse o clube e acabasse negociado com o Milan por ínfimos 5 milhões de euros.

Durante sua passagem pela equipe rossonera, venceu uma Supercopa Uefa e um Mundial Interclubes como coadjuvante, pois teve problemas físicos que viriam a lhe acompanhar pelo restante da carreira e pouco foi utilizado por Carlo Ancelotti. Na temporada seguinte, o clube e o jogador de 32 anos chegaram a um consenso de rescisão mútua de contrato.

Livre, fechou com o Santos em julho de 2009 e disputou apenas seis jogos antes de se machucar gravemente e rescindir o contrato, para evitar gastos do clube. Em março de 2010, Emerson anunciou a aposentadoria e declarou que estava fazendo um curso de gestão esportiva. Foi comentarista da TV Bandeirantes durante a Copa de 2010 e, desde então, não tem se envolvido profissionalmente com o futebol, mas continua na memória do torcedor romanista e não pode ser citado entre torcedores giallorossi sem ser alvo de ofensas.

Emerson Ferreira da Rosa
Nascimento: 4 de abril de 1976, em Pelotas (RS)
Posição: volante
Clubes: Botafogo (1993), Grêmio (1992, 1994-1997), Bayer Leverkusen (1997-2000), Roma (2000-04), Juventus (2004-06), Real Madrid (2006-07), Milan (2007-09) e Santos (2009)
Títulos: Copa do Brasil (1994 e 1997), Campeonato Gaúcho (1995 e 1996), Copa Libertadores (1995), Recopa Sul-Americana (1996), Campeonato Brasileiro (1996), Copa América (1999), Serie A (2001), Supercopa Italiana (2001), Copa das Confederações (2005), Campeonato Espanhol (2007), Supercopa Uefa (2007) e Mundial Interclubes (2007)
Seleção brasileira: 74 jogos e 6 gols

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