Categorias de base

Tratamento de choque

Andrea Stramaccioni, novo técnico da Inter, levou o time Primavera ao título do NextGen Series, espécie de Liga dos Campeões sub-19, e ganhou moral com Moratti (Getty Images)

É tempo de renovação na Inter. Nesta segunda, Massimo Moratti e sua diretoria decidiram, juntamente com Claudio Ranieri, por interromper o vínculo que os ligava até 2013. Com a saída de Ranieri, a Beneamata chega ao quinto técnico em menos de três anos, após a saída de José Mourinho para o Real Madrid. A equipe será treinada nos últimos nove jogos da Serie A por Andrea Stramaccioni, até hoje um ilustre desconhecido para quem não acompanha o futebol de base na Itália. Uma mudança drástica no comando da equipe, que no início da temporada buscava técnicos experientes para dirigir um elenco envelhecido ao longo de 2011-12.

Romano, como Ranieri, Stramaccioni tem 36 anos e já fazia parte dos quadros da Inter. Ele treinava a equipe sub-20, categoria conhecida na Itália como Primavera, desde julho de 2011 e vinha fazendo um bom trabalho com os jovens, propondo um futebol ofensivo a uma equipe que variava principalmente entre o 4-3-3 e o 4-2-3-1. Na Copa Viareggio, não conseguiu levar o time ao bicampeonato consecutivo, mas, em compensação, colocou a Inter na liderança do grupo B do campeonato Primavera. 

Neste domingo, sua Inter foi campeã do NextGen Series, único torneio interclubes disputado por equipes de base no continente europeu, considerado, desde sua formação, no início da temporada, uma espécie de Liga dos Campeões sub-19. Como mostra o Olheiros, site especializado na cobertura do futebol de base, a Inter havia começado muito mal, perdendo por 7 a 1 para o Tottenham, e conseguiu se superar para chegar à final, vencida contra um forte Ajax. A conquista veio apenas nos pênaltis, depois de 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação. 

O título no NextGen Series é o maior da carreira de Stramaccioni como técnico. Ele teve muito sucesso dirigindo equipes de base da Roma (Giovanissimi, correspondente ao sub-15, e Allievi, correspondente ao sub-16) e venceu dois títulos nacionais pelos clube de Trigoria, reconhecido por ter uma das bases mais fortes do país. Antes mesmo de chegar à equipe giallorossa e trabalhar em conjunto com o próprio Ranieri, ele havia sido jogador profissional pelo Bologna, na Serie C, mas largou a carreira depois de uma grave lesão. 

Após deixar os gramados, logo começou a treinar times de base. Em 2003, venceu um campeonato sub-15 amador pela Romulea (também de Roma, mas ligada à Lazio). Depois, fez parte da comissão técnica da Primavera do Crotone, à época treinado por Gian Piero Gasperini. Stramaccioni não teve uma experiência sequer como treinador de equipes principais, mas conseguiu formar uma série de admiradores. Quando recebeu a proposta de treinar a Primavera interista, tinha também, segundo a Gazzetta dello Sport, uma proposta feita por Arrigo Sacchi, lendário ex-técnico do Milan e atual responsável pelas seleções de base italianas, para treinar a Itália sub-17.

Stramaccioni também já era bem quisto pela direção interista. Foi contratado por expressa vontade de Ernesto Paolillo, diretor-geral da Inter, e vinha sido constantemente elogiado por Roberto Samaden, responsável pela administração das categorias de base do clube. Parece que Stramaccioni conquistou também o presidente Massimo Moratti. Entre viajar para Londres, para assistir à final do NextGen Series in loco, em Brisbane Road, e ir ao Derby d’Italia disputado pela equipe principal e a Juventus, em Turim, Moratti preferiu a primeira opção. 

Totalmente desiludido com a temporada que a Inter está fazendo, o presidente nerazzurro já mostrava que via a temporada como perdida e, desta vez, deu o braço a torcer. Nem mesmo o fato de a equipe não ter feito uma má partida e, pelo contrário, ter feito um bom primeiro tempo, no qual poderia ter saído ganhando de uma de suas maiores rivais, manteve Ranieri no cargo. Hoje, antes do meio-dia, Moratti disse que ele permaneceria no cargo, mas poucas horas depois da entrevista do presidente, o site da Inter comunicava a rescisão consensual. Mais uma anedota para o folclore que envolve a Era Moratti e seu comportamento passional. Desde 1999 a Inter não tinha mais de dois treinadores em uma única temporada. Naquele ano, treinaram a equipe Luigi Simoni, Mircea Lucescu e Roy Hodgson.

A escolha por Stramaccioni mostra que o planejamento desta temporada (se é que realmente havia algum) foi totalmente por água abaixo. A prática de subir um técnico da equipe Primavera diretamente para o time principal após bons resultados é muito incomum na Itália, mas já teve um precedente nesta temporada, no Palermo – e isso demonstra bem o atual panorama da Inter, já que o Palermo é o time mais explosivo da Itália, por causa de seu presidente, Maurizio Zamparini, que demite técnicos a atacado. Na equipe rosa e preta, Devis Mangia foi alçado da Primavera ao time principal na primeira rodada, mas acabou sendo sacado por não conseguir vitórias fora de casa. Se, por um lado, a efetivação de um treinador de base pode ser vista como um sinal de desordem, por outro também pode significar uma revolução no futebol nacional, que precisa renovar urgentemente o quadro de treinadores e o modo de conceber o próprio esporte.

Caso tenha carta branca para experimentar e não seja cobrado por resultados, o técnico romano pode começar imediatamente (e não na próxima temporada, como vinha sendo colocado pelos interstas) uma renovação na equipe com jogadores vindos da base, que ele já conhece bem. Na equipe Primavera, alguns jogadores tem se destacado bastante e muitos deles já treinaram com o elenco profissional. Casos de Kysela (zagueiro), Crisetig (volante/esterno), Duncan (volante), Romanò (meia), Longo (atacante) e do ítalo-brasileiro Daniel Bessa (meia-atacante). Foi de um passe do jogador nascido no Paraná, camisa 10 e principal criador de jogadas da equipe, que Longo fez o gol na final do NextGen Series.

Gradualmente, alguns deles podem estrear na equipe principal ainda neste campeonato. Talvez o que tenha mais chances seja exatamente Bessa, já que a Inter tem carecido de criatividade e Sneijder e Álvarez estão machucados. Ampliando o pensamento de renovação para a próxima temporada, o setor ainda pode ter a volta de Philippe Coutinho, que está emprestado ao Espanyol e tem feito grandes jogos pelo time catalão.

Resta saber como Stramaccioni será recebido pelos senadores da equipe. O técnico é mais novo que Zanetti, Castellazzi e Orlandoni e não tem um vasto currículo, como alguns de seus antecessores no pós-Mourinho. Para isto, é provável que alguns dos jogadores mais experientes do time, que tem papel de liderança no grupo – casos de Zanetti, Cambiasso e Stankovic, por exemplo – acabem o ajudando a conhecer melhor as demandas do elenco e até mesmo a treinar a equipe. Naturalmente, os senadores também deverão ter participação importante dentro de campo neste momento de transição.

Sem compromisso com resultados, a mescla mais ousada de veteranos e de jogadores jovens – não só novos garotos vindos da base, mas também aqueles que já fazem parte do time principal, como Juan, Faraoni, Poli, Obi e Castaignos – pode acabar ajudando a Inter a ter um elenco mais competitivo para a próxima temporada. Com a escolha de Stramaccioni, o lado preto e azul de Milão pode estar começando, radicalmente, a mudar sua cara para os anos que vem por aí, como aconteceu com a Roma.

Em Trigoria, no entanto, Vincenzo Montella, substituto de Ranieri, não convenceu a nova diretoria a permanecer no cargo e acabou trocado por Luis Enrique. Acabou indo realizar ótimo trabalho no Catania, surpresa positiva do campeonato. Hoje, fala-se que Stramaccioni ficará até o fim da temporada, quando o próprio Montella poderia assumir a Inter – os outros candidatos seriam Luciano Spalletti, Marcelo Bielsa e André Villas-Boas. Se conseguir renovar o espírito do grupo e o futebol da equipe, teria Stramaccioni o mesmo destino de Montella ou ganharia nova chance?

Atualização: no diário La Repubblica de hoje (27/3), há um pequeno perfil sobre Stramaccioni. No texto, se ressalta sua meticulosidade: de acordo com o jornal, o técnico é obsessivo por jogadas ensaidas de bola parada e preparava as partidas para os jovens como se fossem de adultos. Media os campos nos quais sua equipe jogaria a partida seguinte e reproduzia igualmente as condições nos treinamentos. Além disso, enviava auxiliares para espionar os rivais e gravava partidas inteiras dos adversários para analisá-las e passar orientações a seus comandados. Para quem lê em italiano, vale a leitura, clicando aqui.

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