Seleção italiana

O problema não é a safra, é o fazendeiro

Contra a parede: Antonio Conte usa mal suas peças, destrói o que
Cesare Prandelli construiu e já pensa em deixar a seleção (Gazzetta.it)

1 a 0 contra Malta. 1 a 0 contra a Bulgária. Seis pontos na bagagem, liderança do Grupo H e classificação quase assegurada para a Euro 2016 – a Itália está matematicamente entre os três primeiros do grupo e, no mínimo, jogará os play-offs, embora hoje o melhor terceiro, que se classifica diretamente à competição, seja a Croácia, sua adversária no certame. Tudo certo, então? Pelo contrário. O Europeu se aproxima e está claro que a seleção italiana joga um futebol pior do que jogava antes da Copa do Mundo. Há um ano no comando da Squadra Azzurra, Antonio Conte ainda não deu identidade à equipe, que passa longe de empolgar: O futebol é burocrático, opaco, nada incisivo. Medíocre. E também não dá os melhores resultados. As duas vitórias magras citadas acima foram as únicas da Itália em 2015.

O ex-treinador da Juventus é o mais bem pago do futebol italiano – tendo parte dos salários arcados pela Puma, fornecedora de material esportivo da seleção – e, à frente da Nazionale, está longe de ter o mesmo sucesso que tinha na Velha Senhora. Comentaristas, principalmente no Brasil, dizem sobre a Itália o mesmo que falavam sobre a nossa seleção: “a safra é ruim”. Não, a Azzurra tem bons valores. O problema está no fazendeiro: Conte não aproveitou praticamente nada do (bom) trabalho de seu antecessor Cesare Prandelli e também não faz seu time jogar como a Juve.

Assim que Conte assumiu, escrevemos sobre como seria o seu trabalho. Lembramos que o treinador é um herdeiro da tradição tática da Zona Mista ou Jogo à Italiana, consagrada por Giovanni Trapattoni e Enzo Bearzot. Porém, ele atualizava o seu 3-5-2 espetando os alas e fazendo os meias centrais se inserirem nos movimentos ofensivos de forma ostensiva. A escola em que Conte se baseia é totalmente diferente da de Prandelli, que valorizava a posse de bola, em uma clara inspiração no futebol que Espanha e Alemanha fazem hoje. Na tentativa de fazer a Itália jogar de forma mais contemporânea, mostrou ótimas ideias, boa observação e interpretação tática, principalmente no início do trabalho.

Nada disso permaneceu com Conte. A FIGC escolheu passar por cima do fracasso da Copa do Mundo de 2014 dando um cargo para um técnico de filosofia oposta a de seu antecessor e que nada trazia de novidade – uma decisão que em nada foi respaldada por um projeto, e que em muito lembra a cartolagem brasileira. Conte foi escolhido pois, naquele momento, era o tricampeão da Serie A. Um técnico que venceu o campeonato com uma Juventus implacável, mas que era mais do mesmo do ponto de vista tático. Vencia porque tinha um elenco forte e pelos méritos do técnico em indicar as peças certas para sua visão de futebol e por utilizá-las no máximo de seu potencial. O trabalho em uma seleção é diferente, afinal você faz o suco com as frutas que tem. Não dá para ir ao mercado comprar as que mais se adequam a seu gosto pessoal.

Por isso, não é de se espantar que o treinador salentino não consiga fazer seus convocados renderem o mesmo que estrangeiros de sua Juve, como Tévez e Lichtsteiner. Para piorar, na seleção, duas de suas peças mais importantes na Juventus, Pogba e
Vidal, não tem substitutos com as mesmas características. Candreva não é Lichtsteiner, Marchisio não é Vidal, De Rossi não é Pogba e Immobile não é Tévez.

Se não dá para espelhar a Juventus, Conte deveria ter aprendido a lição com Prandelli. O ex-técnico da Fiorentina percebeu que os melhores jogadores formados nas novas
gerações italianas não se encaixavam no velho estilo de futebol do país e implantou um
futebol mais contemporâneo, baseado em posse de bola. Hoje, os principais jovens nomes da Itália são reinvenções das funções de interno e regista, mais para meias box-to-box – como Verratti, Florenzi, Bertolacci, Soriano e Cataldi –, e reinvenções de trequartista – Insigne, El Shaarawy, Saponara, Bonaventura, Berardi e Sansone – e oferecem inéditas possibilidades de jogo pelos flancos. Os novos nomes da defesa mantém a técnica de mitos como Baresi, Scirea e Maldini e sabem jogar avançados – Romagnoli e Rugani, principalmente. O talento está sendo subaproveitado.

Em um ano, Conte utilizou 44 jogadores – veja aqui quadro com número de jogos, gols, minutos em campo e média de voto deles até a partida contra Malta. Poderia ter convocado mais alguns, sobretudo para amistosos, e ter dado mais minutos a outros.

Abaixo, trazemos um pequeno resumo dos selecionáveis, em nossa opinião, divididos por faixa etária – já pensando em renovação para a Copa de 2018. Deixamos de lado jogadores que, mesmo já convocados por Conte, não seriam considerados pelo blog. A nosso ver, a seleção deveria ser montada a partir dos seus pilares – jogadores mais experientes e de qualidade comprovada – e com grande prevalência dos jogadores de menos de 25 anos, com a presença de algumas peças experientes, mas que seriam mais utilizadas para compor elenco.

Vejam com seus próprios olhos. Não dá mesmo para dizer que a safra é ruim – principalmente no ataque, tão criticado. Falta dar oportunidade a alguns jovens e fazer o time jogar de forma mais fiel às características de suas peças.

Nota: não estamos levando em consideração revelações que jogam nas seleções de base e estão na Serie B ou jovens que ainda não atuam com frequência na primeira divisão.

O radar da Nazionale do QT

Pilares da seleção (jogadores com mais de 28 anos)
Goleiro: Buffon (37 anos)
Defensores: Bonucci (28) e Chiellini (31)
Meias: Pirlo (36), De Rossi (32), Marchisio (29) e Candreva (28)
Atacantes: nenhum

Jogadores com 25 anos ou mais
Goleiros: Sirigu (28 anos), Marchetti (32), Padelli (30) e Consigli (28)
Defensores: Barzagli (34), Ranocchia (27), Raggi (31), Astori (28), Acerbi (27), Ogbonna (27), Criscito (28), Darmian (26), De Silvestri (27), Antonelli (28), D’Ambrosio (27) e Pasqual (33)
Meias: Montolivo (30), Vázquez (26), Parolo (30), Aquilani (31), Valdifiori (29), Poli (26), Cigarini (29) e Bonaventura (26)
Atacantes: Pellè (30), Rossi (28), Immobile (25), Balotelli (25), Okaka (26), Éder (28), Cerci (28), Paloschi (25), Giovinco (28), Gilardino (33), Matri (31) e Pazzini (31)

Jogadores de até 25 anos 
Goleiros: Perin (22), Sportiello (23), Leali (22), Bardi (23), Sepe (24) e Scuffet (19)
Defensores: Rugani (21), Romagnoli (20), De Sciglio (23), Santon (24), Zappacosta (23), Antei (23), Izzo (23), Sala (23) e Barba (22)
Meias: Verratti (22), Soriano (24), Bertolacci (24), Florenzi (24), Saponara (23), Sturaro (22), Baselli (23), Cataldi (21), Benassi (21), Crisetig (22), Mauri (19), Jorginho (23), Verdi (23) e Cristante (20)
Atacantes: Sansone (24), Gabbiadini (23), Insigne (24), Berardi (21), Zaza (24), Destro (24), Belotti (21), El Shaarawy (22) e Bernardeschi (21)

A Itália tem apenas 11 gols marcados nas Eliminatórias da Euro (em 8 jogos), e são 15 em 12 partidas – considerando quatro amistosos. Muito pouco para o poder de fogo que a Azzurra tem. Vejam quantos meias e atacantes criativos listamos e quantos desses jogadores são goleadores em seus clubes. O sistema de jogo da seleção não os ajuda, e não dá para culpá-los. O artilheiro da era Conte é Pellè, com três gols, seguido por Chiellini, De Rossi e Candreva, com dois. É muito pouco.

A defesa também não é impenetrável. Os números não são tão bons – sete gols em 14 jogos, média de um a cada duas partidas – e é bom considerar que a Itália sofreu gols de Bulgária e Azerbaijão. Sem contar as intervenções que Buffon teve de fazer nessas duas partidas, e muito mais contra a Croácia. Essa Itália não tem nem mesmo a cara de Conte. Não tem cara de nada.

Um outro motivo, e talvez o último deles, para a apatia e má fase da Itália está no aspecto motivacional, tão importante nos times de Conte, que também está ausente neste trabalho. Afinal, o treinador não quer mais permanecer no cargo: se arrependeu de ter trocado o trabalho diário em um clube pelo eventual na Nazionale, e deve partir após a Euro. O tiro saiu pela culatra e a Itália está condenada a atrasar sua renovação e a jogar mal até o meio de 2016 – claro, a não ser que um milagre aconteça. O trabalho para 2018 será duro.

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