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Gheorghe Hagi: entre Madri e Barcelona, um hiato italiano

Qualquer pessoa que acompanhou de perto futebol do fim dos aos 1980 até o início dos 2000 tem em Gheorghe Hagi um de seus jogadores preferidos. O meia romeno participou de três Copas do Mundo neste período, e foi exatamente nos Mundiais que ganhou fama: o camisa 10 canhoto, apelidado de Maradona dos Cárpatos, levou a Romênia às oitavas de final em 1990 e 1998 e se destacou ainda mais em 1994, quando os Tricolorii eliminaram a Argentina e caíram nas quartas. Hagi ainda passou por Real Madrid e Barcelona, mas não trocou um clube pelo outro diretamente. Entre as passagens pelos dois maiores clubes espanhois e, justamente no auge da Romênia, Gica jogou pelo Brescia.

A trajetória que levou Hagi a se tornar o maior jogador da história da Romênia começou no pequeno Farul Constanța. Após um período no Luceafărul Bucareste – selecionado pela federação de futebol do país, comandada pelo Partido Comunista –, o meia-atacante voltou ao clube e estreou na primeira divisão romena, em 1982-83. Nos quatro anos seguintes, ele defendeu as cores do Sportul Studențesc, time da capital do país, Bucareste, e foi aí que explodiu: conseguiu levar a pequena equipe – que hoje milita na quarta divisão – a um vice-campeonato.

A partir de 1983, com 18 anos, ele passou a ser convocado para a seleção romena, e em 1984 participou da Eurocopa. Três temporadas depois, já estava no Steaua Bucareste, maior time do país, e era uma das principais joias do futebol dos Bálcãs – não à toa, Gica Hagi passou a ser chamado de Regele, que significa “Rei”, em romeno. O Maradona dos Cárpatos assinou com o poderoso Steaua, recém-campeão europeu, para jogar apenas a Supercopa Europeia, em fevereiro de 1987, diante do Dynamo Kyiv, mas fez o gol da vitória e foi um dos melhores em campo. Acabou permanecendo na equipe azul e vermelha, com a qual conquistou cinco títulos de âmbito nacional e foi vice-campeão europeu, em 1989 – também chegou às semifinais, no ano anterior.

As atuações fenomenais em seu país (foram 76 gols em 97 jogos na liga romena) e na Europa chamaram a atenção de equipes estrangeiras, como o Bayern Munique e o Milan de Arrigo Sacchi. Mas a Juventus foi a que chegou mais perto dele: Gianni Agnelli queria o Regele para substituir Michel Platini e negociou pessoalmente com o ditador Nicolae Ceausescu. Chegou até a prometer a instalação de uma fábrica da Fiat no país, mas o presidente romeno rejeitou qualquer proposta. Só após a execução do ditador e a queda do regime, Hagi deixou a Romênia: em 1990, após a campanha dos Tricolorii na Copa do Mundo, fechou com o Real Madrid.

Um Brescia romeno: Hagi foi treinado por Lucescu e teve três compatriotas como colegas, a exemplo de Mateut (Tumblr)

A passagem pelos merengues durou dois anos, mas não foi muito boa. Titular, ele jogou 84 partidas e fez 20 gols, mas não chegou a convencer nem mesmo quando anotou 12 tentos na campanha do vice-campeonato espanhol dos madridistas – o Barcelona acabou campeão. Em 1992, quando já tinha 27 anos, Gheorghe Hagi chegou à Itália: o empresário Gino Corioni havia acabado se tornar presidente do Brescia e decidiu investir em uma contratação de peso, levando o Regele à Serie A, surpreendendo até mesmo o agente do jogador, Ioan Becali.

O Campeonato Italiano, o melhor do mundo, teria a oportunidade de ver desfilar em seus gramados um dos grandes jogadores do globo, mesmo em um time pequeno. Gica Hagi tinha grande visão de jogo e habilidade com a perna esquerda, com a qual fazia a bola rodar com facilidade, em passes curtos ou lançamentos. O Regele ainda era um exímio finalizador, especialmente da entrada da área – foi assim que marcou lindos gols na carreira contra Osasuna e Colômbia.

O Brescia acabara de retornar à elite do futebol italiano e Corioni decidiu manter o técnico da temporada anterior. O romeno Mircea Lucescu, que se tornou famoso anos depois, já havia sido técnico da seleção de seu país entre 1981 e 1986, e começava a construir sua carreira no futebol de clubes mais forte do mundo pela Itália. Então, além de Hagi, outros três romenos – os volantes Dorin Mateut e Ioan Sabau, além do atacante Florin Radociuiu – reforçaram os rondinelle.

Hagi, estrela da companhia, atuou em 31 dos 34 jogos da campanha da Leonessa, marcando cinco gols, como contra Juventus e Lazio – o Rei romeno também foi fundamental para que Raducioiu marcasse 13, sendo um dos melhores marcadores da temporada. No entanto, a técnica refinada de Hagi não adiantou, já que a equipe bresciana não era das melhores e acabou o campeonato 1992-93 na 16ª posição, com 30 pontos. Fiorentina e Udinese alcançaram a mesma pontuação e a definição de dois rebaixados passou pelos confrontos diretos – critério que definiu a queda viola – e por um jogo-desempate entre brescianos e friulanos. Após a derrota por 3 a 1 para os bianconeri, o time de Hagi caiu, mas o craque surpreendeu e decidiu permanecer para disputar a segundona.

Hagi foi um dos jogadores mais técnicos da Serie A nos anos 1990 (imago)

Em 1993-94, o Brescia perdeu parte da colônia romena: saíram Mateut para a Reggiana e Raducioiu para o Milan, mas os outros ficaram, incluindo Lucescu. Hagi continuava como o principal jogador do time e, em 30 jogos, marcou 9 gols – suficientes que, por um pontinho, o Brescia ficasse com a terceira posição na Serie B e conquistasse o retorno imediato para a elite.

Não que fosse uma tarefa fácil – aliás, muito pelo contrário. A segunda divisão italiana era muito forte na época e tinha jogadores como Gabriel Batistuta, Stefan Effenberg, Francesco Baiano (os três da Fiorentina), Igor Protti (Bari), Oliver Bierhoff (Ascoli), Giuseppe Galderisi (Padova), Enrico Chiesa (Modena), Andrea Carnevale, Stefano Borgonovo, Ubaldo Righetti (trio do Pescara), Dario Hübner (Cesena), Filippo Inzaghi, Gianluca Pessotto e Damiano Tommasi (do Verona).

Naquela temporada, pouco antes de embarcar para os Estados Unidos e se consagrar mundialmente, Hagi também conquistou um título com o Brescia. A Copa Anglo-Italiana, disputada entre times das segundas divisões de Inglaterra e Itália, foi conquistada pelos rondinelle, que passaram invictos pela fase de grupos e penaram nas semifinais, diante do Pescara. Na final, disputada dia 20 de março, em Wembley (um dos templos do futebol), o Brescia venceu o Notts County por 1 a 0 e levantou o único troféu internacional de sua história.

Na Copa de 1994, o Maradona dos Cárpatos brilhou demais. Após a campanha da Romênia, que eliminou a Colômbia – considerada favorita ao título – e Argentina, mas caiu nos pênaltis para a Suécia, o Brescia não conseguiu segurar o craque romeno. Hagi acabou retornando para a Espanha e fechou com o Barcelona, à época treinado por Johan Cruyff. O Dream Team do holandês ainda tinha Romário e Hristo Stoichkov, mas nos dois anos em que ficou na Catalunha, Hagi decepcionou: foi reserva e jogou apenas 51 vezes, vencendo somente uma Supercopa da Espanha, logo quando chegou.

Hagi disputa bola com Platt, da Juventus (imago/HJS)

Foi longe dos grandes centros que Hagi voltou a brilhar, repetindo a história construída com o tradicional, mas pequeno Brescia. O craque da Romênia assinou com o Galatasaray em 1996 e permaneceu em Istambul por cinco anos, recebendo o apelido de Comandante e ganhando uma penca de títulos por lá. Além de quatro campeonatos turcos, e duas copas e supercopas locais, o Maradona dos Cárpatos ajudou o gigante turco a aparecer em nível continental. Com Hagi e Taffarel em campo, o Galatasaray conquistou uma Copa Uefa e uma Supercopa Europeia, em 2000 – ao mesmo tempo, o Brescia tinha Roberto Baggio na equipe.

Até se aposentar, em 2001, o playmaker fez 271 jogos e 163 gols pelos Aslanlar e até hoje, é um dos maiores jogadores da história do time – é alvo de uma idolatria similar à de Alex, do rival Fenerbahçe, só para ficarmos na realidade turca. Com a seleção, Gica Hagi é o segundo jogador com mais jogos (125) e o artilheiro (35 gols), além de ter feito parte do elenco em três das quatro Euros em que a Romênia jogou (1984 1996 e 2000), e também em três das sete Copas (1990, 1994 e 1998). Desde que o Rei se aposentou, os Tricolorii nunca mais se classificaram para um Mundial. Pudera, Hagi é o maior craque que já passou pela seleção dos Cárpatos e não foi eleito o jogador romeno do ano por sete vezes à toa.

Após se aposentar, em 2001, o mito tenta desenvolver carreira como treinador, mas sem muito sucesso. Dirigiu a seleção romena por seis meses, mas foi demitido depois de não classificar os Tricolorii para a Copa de 2002, e depois alternou passagens em clubes romenos e turcos – o único trabalho relativamente aceitável foi no Galatasaray, pela primeira das duas vezes. Hoje, Hagi é dono e técnico do Viitorul Constanța, clube fundado por ele em 2009.

Gheorghe Hagi
Nascimento: 5 de fevereiro de 1965, em Săcele, Romênia
Posição: meio-campista
Clubes em que atuou: Farul Constanța (1982-83), Sportul Studențesc (1983-87), Steaua Bucareste (1987-90), Real Madrid (1990-92), Brescia (1992-94), Barcelona (1994-96) e Galatasaray (1996-2001)
Títulos conquistados: Campeonato Romeno (1987, 1988 e 1989), Copa da Romênia (1987 e 1989), Supercopa Europeia (1986 e 2000), Supercopa da Espanha (1990 e 1994), Copa Anglo-Italiana (1994), Campeonato Turco (1997, 1998, 1999 e 2000), Copa da Turquia (1999 e 2000), Supercopa da Turquia (1996 e 1997) e Copa Uefa (2000)
Carreira como treinador: Romênia (2001), Bursaspor (2003-04), Galatasaray (2004-05 e 2010-11), Poli Timișoara (2005-06), Steaua Bucareste (2007) e Viitorul Constanța (2014-hoje)
Títulos como treinador: Copa da Turquia (2005)
Seleção romena: 125 jogos e 35 gols

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