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Nwankwo Kanu, o carrasco traído pelo coração na Itália

Há exatos 20 anos, em um 31 de julho, o Brasil esmorecia com a narração das seguintes palavras: “Olha a sobra! Kanu; perigoso, entrou, bateu… Acabou! Terminou! Termina o jogo, termina a prorrogação… Termina o sonho do ouro no futebol para o Brasil”. Galvão Bueno criava, assim, a imagem de um dos carrascos da história brasileira: Nwankwo Kanu, o atacante da Nigéria que usava a curiosa camisa 4 e, dias depois, acabaria se transferindo para a Inter.

Se hoje a Seleção chega aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro pressionada para alcançar pela primeira vez o ouro no futebol, Kanu contribuiu muito para isso. Naquele dia de 1996, o Brasil vencia a Nigéria com facilidade e se complicou: o atacante grandalhão, que faria 20 anos no dia seguinte, aproveitou a queda no emocional e a desatenção dos brasileiros para colocar as Super Águias na final. Um tento nos acréscimos e o gol de ouro na prorrogação abriram o caminho para a primeira medalha de ouro de uma seleção africana na modalidade.

Àquela época Kanu era um jogador com alguma experiência e um bom currículo, apesar de jovem: ele começou cedo, no Iwuanyanwu Nationale, e foi notado pela extensa rede de olheiros do Ajax no Mundial Sub-17, vencido pela Nigéria. Na Holanda, o atacante de 1,97m empilhou títulos: foi tricampeão nacional e, bastante utilizado por Louis van Gaal, levantou ainda a Liga dos Campeões, a Supercopa Uefa e o Mundial Interclubes. Após este início de carreira arrebatador, ele acabou sendo adquirido pela Inter após os Jogos de Atlanta, por um valor de aproximadamente 8 bilhões de velhas liras.

Kanu teve de ficar parado por mais de um ano, depois de problema cardíaco descoberto em sua chegada à Inter (EMPICS/Getty)

Na chegada a Milão, os exames médicos pregaram uma peça em Kanu. Foi diagnosticado um problema congênito no coração do nigeriano, algo que poderia fazer com que sua carreira se encerrasse precocemente, aos 20 anos. Uma cláusula contratual permitia que a Inter devolvesse o jogador ao Ajax, por não ter informado sobre suas condições de saúde, mas o presidente Massimo Moratti decidiu interceder: pagou do próprio bolso a delicada cirurgia de substituição da válvula aórtica, que lhe causava insuficiência cardíaca. Até hoje, Kanu declara que o dirigente é uma espécie de segundo pai para ele.

A intervenção, realizada em Cleveland, nos Estados Unidos, podia fazer com que ele voltasse a atuar profissionalmente, mas a principal finalidade era evitar a morte prematura do nigeriano, que ganhou um caminhão de títulos arriscando a vida. Kanu teria de ficar meses afastado, com acompanhamento médico adequado para se recuperar e se adaptar ao novo funcionamento do seu corpo. Mesmo afastado e sem ter certeza de que voltaria aos gramados, o atacante foi eleito o melhor jogador africano de 1996 por causa de suas atuações no Ajax e na Olimpíada.

A previsão inicial era de que o atacante voltaria a jogar em abril de 1997, mas os prazos se alongaram e Nwankwo Kanu só entrou em campo em fevereiro de 1998 – curiosamente, para fazer dupla com Ronaldo, seu adversário nos Jogos de Atlanta. Após quatro minutos em campo contra a Fiorentina, o nigeriano passou a ser utilizado com frequência, mas quase sempre partindo do banco de reservas.

A equipe nerazzurra correu para celebrar a volta por cima do nigeriano, em jogo contra a Atalanta (Arquivo/Inter)

Ao todo, Kanu fez 14 partidas pelos nerazzurri em 1997-98, apenas três como titular e nenhuma completa, mas contribuiu para que a Inter vencesse a Copa Uefa e fosse vice-campeã italiana. Seu único gol pela Beneamata aconteceu na vitória por 4 a 0 contra a Atalanta e foi muito festejado pela torcida e pelos companheiros, que se comoveram com sua volta por cima. O camisa 11 até parecia desengonçado, mas tinha habilidade e a utilizou para balançar as redes: recebeu lançamento, matou no peito com categoria e concluiu com a direita.

O nigeriano iniciou 1998-99 em Milão, mas não estava sendo aproveitado por Luigi Simoni – para piorar, Nicola Ventola e Roberto Baggio foram contratados e Kanu perdeu espaço. Em outubro, foi negociado por 4,15 milhões de libras com o Arsenal: era visto por Arsène Wenger como um jogador a ser lapidado. Na Inglaterra, Kanu não se tornou o jogador brilhante que se imaginava que seria, mas cumpriu sua função e conquistou cinco títulos pelos Gunners, incluindo duas Premier Leagues – uma destas, com invencibilidade.

Eleito jogador africano da temporada em 1999, o atacante ainda teve boas temporadas por West Bromwich e Portsmouth: o nigeriano entrou para a história da equipe do sul da ilha por ter marcado o gol que deu o título da FA Cup e a primeira classificação a uma competição europeia. Atualmente, Kanu toca uma fundação para crianças com problemas cardíacos na Nigéria e tenta evitar que outras pessoas corram os mesmos riscos que ele correu. No seu coração sempre cabe mais um.

Nwankwo Kanu
Nascimento: 1º de agosto de 1976, em Owerri, Nigéria
Posição: atacante
Clubes como jogador: Iwuanyanwu Nationale (1992-93), Ajax (1993-96), Inter (1996-99), Arsenal (1999-2004), West Bromwich (2004-06) e Portsmouth (2006-12)
Títulos como jogador: Ouro Olímpico (1996), Liga dos Campeões (1995), Mundial Interclubes (1995), Copa Uefa (1998), Supercopa Uefa (1995), Premier League (2002 e 2004), Eredivisie (1994, 1995 e 1996), FA Cup (2002, 2003 e 2008), Community Shield (1999), Copa das Nações Afro-Asiáticas (1995) e Copa do Mundo Sub-17 (1993)
Seleção nigeriana: 93 jogos e 15 gols

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