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Gennaro Gattuso, a personificação da mentalidade vencedora

Símbolo de raça e imagem típica de um italiano calabrês, Gennaro Gattuso é daqueles jogadores que tratam cada lance como se valesse um prato de comida. Sanguíneo, Ringhio não gosta de perder e valoriza cada conquista. Segundo o próprio, “uma conquista de terceira divisão tem a mesma importância de uma Champions League”. Gattuso também chegou a dizer que, para ele, “a Bola de Ouro é roubar o maior número de bolas possíveis”.

Ao contrário do que pudesse parecer, Gattuso não fazia o estilo “bad boy” e demonstrava toda sua virilidade dentro de campo, seja com o adversário ou com seus próprios companheiros. A agressividade e a raça acabaram lhe rendendo o apelido que lhe acompanhou em toda sua trajetória como jogador: Ringhio – “rosnado”, em italiano. Embora esta fosse sua marca registrada, o volante tinha também seu talento, e não à toa sempre figurou entre os titulares do Milan e conquistou tudo o que podia, durante a última fase dourada do time rossonero. Ele era o suporte de um meio-campo que tinha Andrea Pirlo, Clarence Seedorf, Rui Costa e Kaká.

Rino, como também ficou conhecido, decidiu muito cedo seguir os passos de seu pai, Franco, que teve uma carreira como jogador na Serie D. Aos 12 anos, foi reprovado em uma peneira do Bologna, mas logo foi aceito no Perugia, clube pelo qual realizou todas as etapas das categorias de base e se tornou um expoente dos juvenis: foi peça importante dos dois únicos scudetti sub-20 da história perugina, conquistados em 1996 e 1997.

Eleito melhor jogador do Campeonato Primavera 1996-97, Gattuso foi integrado ao elenco principal ainda aos 17 anos, na Serie B, e meses depois estava na primeira divisão com os grifoni. Após oito jogos na elite e dois anos como profissional na Úmbria, o volante, que integrava a seleção sub-18 da Itália, acertou sua transferência ao Rangers, da Escócia. A diretoria do time italiano tentou resistir e propôs novo contrato a Gattuso, mas ele até fugiu do centro de treinamentos do clube, quando seu vínculo estava acabando, para mostrar que queria jogar no exterior. Ainda assim, Ringhio ficou dois meses sem jogar em Glasgow, pois a Federação Italiana de Futebol – FIGC demorou de homologar os documentos da tratativa, pela situação delicada que se formou.

À época, o calabrês tornou-se o mais jovem emigrante do futebol italiano. Gennaro foi um pedido do técnico Walter Smith e por lá acabou por fazer seu primeiro gol como profissional. Gattuso rapidamente se adaptou ao futebol escocês, muito duro e físico, apto a suas características como atleta. A torcida enlouquecia com sua dedicação e rapidamente o apelidou como Braveheart (“Coração valente”). Apesar disso, o italiano não teve vida longa na Escócia.

Além de ser um católico atuando por um clube protestante, o que gerou certos entreveros, a chegada de Dick Advocaat no comando técnico, em 1998, fez com que pouco mais de um ano após ser contratado, Rino retornasse ao país natal para jogar na Salernitana. De Glasgow, porém, o Gattuso guarda a amizade feita com Paul Gascoigne, outro jogador “casca grossa”, com quem deve ter aprendido um pouco sobre como não tirar o pé em uma dividida.

Só mesmo no acirrado clássico Old Firm, contra o Celtic, para Ringhio apanhar (Goal)

De volta à Itália, Gattuso se tornou o jogador de mais alto salário do clube de Salerno e fez valer cada centavo. Apesar de a equipe ter sido rebaixada um ano após conseguir a promoção, o volante foi um dos destaques do campeonato, mostrando raça e muito conhecimento tático no meio-campo granata. No mercado de verão de 1999, aos 21 anos, foi contratado pelo Milan e realizou um sonho de seu pai. O jovem calabrês chegava não apenas com as credenciais das boas atuações por Perugia, Rangers e Salernitana, mas com o aval de Ruben Buriani,então diretor da equipe campana e ex-jogador dos rossoneri nos anos 1970. O cartola desempenhava a mesma função de Gattuso em campo.

Rino estreou em uma partida de Champions League contra o Chelsea, mas foi após se destacar num dérbi contra a Inter, encarando de frente ninguém menos que o brasileiro Ronaldo, que ganhou de vez o coração dos torcedores milanistas. Demonstrando incrível maturidade, assumiu a titularidade e rapidamente se tornou ídolo da equipe. Sua referência? Curiosamente um jogador que passou pela Inter: Salvatore Bagni, Gattuso guardava, em segredo, um pôster do jogador por boa parte da carreira, já que o pai o proibia de colar na parede.

Em sua primeira temporada no Milan, Gattuso fez nada menos que 28 jogos, conseguindo inclusive anotar um gol. Líder em campo, Gattuso impressionou não apenas Alberto Zaccheroni, treinador rossonero, mas também Marco Tardelli, treinador da seleção sub-21 italiana: Rino participou da conquista do Europeu da categoria, em 2000, e também foi convocado para os Jogos de Sidney. No mesmo ano, o milanista recebeu ainda suas duas primeiras convocações para a Nazionale, comandada por Giovanni Trapattoni. Sob a batuta de Trap, marcou seu único gol com a camisa azzurra, em um amistoso contra a Inglaterra.

Embora limitado tecnicamente, Gattuso conseguiu seu espaço no Milan mostrando determinação, correndo e dando carrinhos, além de cobrar o máximo de empenho de seus companheiros. Com a saída de Fatih Terim e a chegada de Carlo Ancelotti no comando técnico do clube, em 2001, ganhou ainda mais espaço, se tornando o jogador com mais presenças na temporada 2001-02 e uma peça fundamental para a conquista da Champions League da temporada seguinte, a qual foi eternizada na pele do “Gladiador”. Sob as ordens de Don Carletto, Gattuso também conquistou outra Liga dos Campeões, um Mundial Interclubes, uma Serie A e uma Coppa Italia – sem falar nas Supercopas Uefa e Italiana.

Mais do que uma referência, Gattuso tornou-se um símbolo de determinação em campo e motor de uma equipe poderosíssima. Passou a também ser presença constante na seleção italiana, participando das Copas do Mundo de 2002 e 2006. Titular na segunda vez que disputou a competição, foi um pilar do meio-campo tetracampeão mundial de Marcello Lippi. Na decisão contra a França, coube ao camisa 8 a marcação sobre o craque Zinédine Zidane. “Já não era a primeira vez que o marcava e aquilo dava-me sempre insônia na véspera. Rezava para que ele não se lembrasse de fazer magia”, disse certa vez. Apesar das dificuldades contra Zizou, que fez ótima partida, foi Rino quem levou a melhor.

Um guerreiro em campo, Gattuso também não se importava em quebrar protocolos, quando achasse necessário defender a sua equipe – que o diga Joe Jordan, ex-auxiliar do Tottenham e estrela do Milan, enforcado por Rino em uma confusão, acontecida durante partida da Liga dos Campeões. O volante também era conhecido por suas atitudes um tanto estúpidas, como por exemplo dar tapas na cara de seus companheiros. Quem sofreu com isso foi o brasileiro Kaká. “A gente tomava direto, todo dia. Porque a gente brincava com ele. Quando a gente vê isso (o tapa), não estranha”, disse. Nem mesmo seu treinador, Ancelotti, escapava dos “carinhos” de Rino.

Imagine então quando o gênio de Gattuso encontrou nada menos que o gênio de Zlatan Ibrahimovic. “O Zlatan começou a discutir com o Gattuso, mas em tom de brincadeira. ‘Você é isso, você é aquilo’, e tal. E aí começaram a brincar de briguinha dentro do vestiário. Tinha uma lata de lixo, do lado da parede, e o Gattuso foi dar uma de forte. Aí o Ibra pegou ele, virou de cabeça para baixo e colocou dentro da lata de lixo. Só dava pra ver as perninhas pra cima balançando! Todo mundo deu muita risada, porque ninguém esperava que o Ibra fosse fazer aquilo, porque o Gattuso é um cara muito forte. Ele pegou com maior facilidade”, contou o brasileiro Thiago Silva, companheiro da dupla no rossonero.

Ex-jogador do Milan e então auxiliar do Tottenham, Joe Jordan provou da ira de Rino (Times)

Ainda como jogador milanista, Gattuso teve seu nome envolvido em investigações de possíveis manipulação de resultado durante a temporada 2010-11. O procurador do caso ainda afirma que ele e Cristian Brocchi poderiam ser acusados de conspiração criminosa e fraude desportiva porque foram associados ao processo por serem ouvidos em escutas. Como não poderia deixar de ser, ele em nenhum momento “tirou o pé da dividida” e falou: “Se provarem que manipulei jogos, me mato em praça pública”. Na mesma temporada, conquistou mais uma Serie A, o penúltimo título da carreira – o último seria a Supercopa Italiana.

Este é Gattuso, ídolo rossonero, com 13 anos de equipe e 468 jogos. O volante, que chegou a ostentar a faixa de capitão em algumas oportunidades, encerrou sua passagem no Milan em 2012. Na ocasião, chorou: algo aparentemente atípico para um jogador como ele, tão duro em campo, mas uma manteiga ao ser submetido à ovação da torcida que o idolatrou. O jogador via que não teria mais espaço e, depois de 13 anos, foi vestir outra camisa, a do Sion, da Suíça. No clube, se viu em um novo desafio, quando foi convidado a ser treinador interino e jogador ao mesmo tempo. Foram 12 jogos acumulando as funções até que Rino decidisse pendurar as chuteiras de vez.

Como treinador, Gattuso ainda teve passagens por Palermo e OFI Creta, antes de desembarcar em Pisa, para comandar o time na terceira divisão. Nada que preocupasse o ex-volante, que levou o time de volta à Serie B após sete anos, com a mesma paixão de quem conquistou o mundo. Hoje, só quer evoluir para um dia realizar seu novo grande sonho, comandar o Milan. “Tenho noção de que preciso melhorar em muitos aspectos para me tornar um bom treinador e sei que tenho a paixão e o desejo dentro de mim para fazer isso. Ser treinador do Milan um dia é um sonho, como também foram vestir a faixa de capitão e essa camisa gloriosa. Meu caminho (como técnico) é longo e um dia, se eu me tornar um bom técnico, espero ter essa oportunidade”.

Leia também: Os 23 de Lippi: Gennaro Gattuso

Gennaro Ivan Gattuso
Nascimento: 9 de janeiro de 1978, em Corigliano Calabro, Itália
Posição: meio-campista
Times como jogador: Perugia (1995-97), Rangers (1997-98), Salernitana (1998-99), Milan (1999-2012) e Sion(2012-13)
Títulos conquistados: Serie A (2004 e 2011), Coppa Italia (2003), Supercopa Italiana (2004 e 2011), Uefa Champions League (2003 e 2007), Supercopa Uefa (2003 e 2007), Mundial Interclubes (2007) e Copa do Mundo (2006)
Times como treinador: Sion (2013), Palermo (2013), OFI Creta (2014-15) e Pisa (2015-17)
Seleção italiana: 73 jogos e 1 gol

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