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Como perder a credibilidade em 72 horas

Guarín aponta a direção: queria mudar para Turim, mas Inter voltou atrás e melou negócio (Reuters)

Em seu primeiro grande negócio de mercado, a nova Inter, presidida pelo indonésio Erick Thohir há cerca de três meses, deu um belo exemplo de como assar a própria batata em pouco tempo. O magnata indonésio chegou a Milão falando sobre modelo de negócio, responsabilidade financeira, internacionalização da marca e outras milongas mais. Sua chegada foi tratada, até mesmo por nós, como um salto da Inter rumo a uma direção mais profissional, menos passional e menos propensa a trapalhadas. 

Porém, as tratativas por uma troca com a Juventus, que levariam Fredy Guarín a Vinovo e Mirko Vucinic a Appiano Gentile foram o assunto da semana, e mesmo após o encerramento das conversas entre os clubes, ainda dá o que falar. A credibilidade da Inter saiu chamuscada no episódio, e através de um guia rápido, explicamos o porquê. Saiba como perder sua credibilidade futebolística em menos de três dias.

1) Invente uma troca que beneficie sua maior rival

– Poxa, nosso time era muito criativo, fazia muitos gols, mas estamos em crise com as redes. O que fazer?

– Vamos trocar Guarín, nosso líder de assistências, com a Juventus? Aposto que eles liberam Vucinic, que está encostado lá, com dois gols em oito jogos.

– Hmmm, pode ser uma boa. Acho que ele vai brilhar na Inter. Vou dar uma ligada para Giuseppe Marotta.

Um diálogo do nível deve ter acontecido entre os diretores da Inter, em meados de dezembro, quando as negociações para a troca começaram, segundo declaração de Marotta, diretor esportivo juventino. Embora o mundo só tenha tomado conhecimento do negócio agora, as conversas já vinham acontecendo e, nesta semana, seriam apenas concluídas. Fato é que a Juve ganharia muito com o negócio, caso acontecesse.

Guarín, mesmo irregular, é um dos principais jogadores do elenco da Inter. Aos 27 anos, marcou três gols e deu sete assistências nesta Serie A. Pode atuar na linha de cinco meias do 3-5-1-1 de Walter Mazzarri, ou atuar como enganche, dando suporte ao único atacante que o treinador vinha utilizando. Já Vucinic, 30 anos, fez apenas oito jogos e marcou dois gols pela Serie A. Perseguido por pequenas lesões, perdeu espaço com as chegadas de Tévez e Llorente, uma vez que ele (e Giovinco, Quagliarella e Matri) não resolveram o problema do ataque bianconero nos últimos anos.

Vucinic, segundo atacante, não seria o salvador da pátria da Inter, que tem dois jogadores de ofício para a função – Palacio e Belfodil –, e outros que tem atuado por ali, como Álvarez, Kovacic, Botta e o próprio Guarín. Bom jogador, mas em má fase, seria uma opção a mais para um setor inflado. Já o colombiano seria uma peça muito útil ao meio-campo da Juve. O setor já é o mais forte da equipe. Por causa do estilo de jogo do time de Antonio Conte, Guarín teria seu futebol evidenciado: poderia voltar a jogar no mesmo nível em que atuava no Porto, e poderia até ultrapassar este patamar. Analisando o nível das exibições do colombiano pelo restante da temporada, a Juventus poderia, ainda, optar por se privar de Marchisio, Vidal ou Pogba, no próximo mercado, utilizando o dinheiro para se reforçar ainda mais e, no mínimo, aumentar sua hegemonia na Itália.

2) Queime o valor de mercado do seu jogador

Segundo dados de mercado do respeitado site Transfermarkt, Fredy Guarín é o segundo jogador mais valioso da Inter, com 16 milhões de valor de mercado. Vucinic é apenas o nono da lista juventina, com 13 mi. Além disso, a Inter havia conseguido vender o colombiano ao Chelsea, por 15 mi, mas as negociações não foram em frente porque o jogador havia pedido um salário muito alto. Ao contrário, a Juve tentou empurrar Vucinic ao Arsenal por 10 mi, e a equipe treinada por Arsène Wenger achou muito. 

Ou seja, embora o valor de mercado seja fictício, o de Guarín é notavelmente mais alto, e poderia crescer, uma vez que o jogador ainda pode atingir o auge na carreira, enquanto Vucinic caminha para o ocaso. Outro fator importante: Thohir havia dito que a Inter precisaria vender para comprar. Naturalmente, trocar o seu segundo jogador mais valioso por outro não é uma manobra das mais astutas. Sobretudo quando a troca seria sem dinheiro envolvido, em um primeiro momento, e depois, após renegociação, renderia à Inter menos de 3 milhões de euros.

3) Contrate um jogador mais velho e com salário mais alto

Além de todas as questões envolvendo valores de mercado, o salário de Vucinic é 700 mil euros maior do que o de Guarín. O montenegrino até poderia aceitar reduzir o seu salário, mas isso não estava posto no início da negociação. Além disso, a Inter sairia perdendo porque dificilmente poderia revender o atacante, de 30 anos, por um bom valor. Guarín, 27, poderia levar mais aporte financeiro em caso de venda.

4) Despreze os jovens do seu clube

Pense bem: a gestão anterior autorizou a compra de dois dos melhores jovens atacantes do país, Belfodil e Icardi, gastando quase 20 milhões para isso. No mercado seguinte, com novo dono, mas com os mesmos diretores, a Inter corre atrás de um outro atacante. Ok, é verdade que Belfodil não se adaptou, está fora dos planos imediatos de Mazzarri e pode ser emprestado. Também é verdade que Icardi tem sofrido com paixão, pubalgia e problemas extracampo. Mas ao invés de contratar um atacante experiente, oferecendo-lhe dois anos e meio de contrato, não seria mais lógico pensar em empréstimo?

5) Negocie em um local movimentado, de preferência sob o olhar de jornalistas

Apesar do início da transação ter sido às escondidas, toda a negociação acabou acontecendo em dois hoteis centrais de Milão. Em um deles, reuniam-se os procuradores dos jogadores com os atletas, e em outro, em uma sala com grande janela voltada para a rua, os diretores dos clubes definiam os termos da troca e também acordavam valores de salários com os jogadores. Foram publicadas fotos dos diretores dos dois clubes juntos, aguardando para atravessar a rua, outras de jogadores e diretores deixando os hoteis e até mesmo da sala de reuniões. A falta de discrição foi criticada pelos dois clubes, certamente colocou pressão no negócio e contribuiu para que ele melasse.

6) Subverta a hierarquia do clube e envie um funcionário não autorizado a negociar. Bônus: se assegure de que esse funcionário é torcedor da rival e já tenha trabalhado para ela

Marco Branca é o diretor responsável pela área técnica da Inter, e trabalha juntamente com Piero Ausilio, diretor esportivo. Branca estava na Alemanha, tentando negociar venda de Andrea Ranocchia ao Borussia Dortmund, e não participou desta etapa das tratativas. Em seu lugar, participou Marco Fassone, diretor geral da Inter, mas sem qualquer função voltada à parte esportiva – na Juve, Giuseppe Marotta, diretor geral, atende também pela parte técnica.

Fassone, nascido na província de Turim, é juventino declarado e ingressou no mundo futebolístico em 2003, justamente pela Velha Senhora, onde foi um dos responsáveis pela construção do novo estádio da equipe. Em Milão, sua contratação foi contestada pelas suas origens, e muito mais depois, porque tem realizado um trabalho muito opaco pela Beneamata. Após o cancelamento das negociações, torcedores da Inter que acompanhavam o desfecho em frente à sede do clube entoaram cânticos contra o diretor, que disse que não irá se demitir. É provável que ao fim da temporada, porém, Fassone, Branca e Ausilio deixem La Pinetina.

7) “Queime” seu jogador com a torcida

Tornar a negociação pública foi algo extremamente danoso à imagem de Guarín – mais do que a Vucinic, que não fez qualquer declaração pública ou tem qualquer tipo de problemas com a torcida juventina. Em 2011, o colombiano chegou a declarar que gostaria de se transferir à Juve, mas acabou em Milão. Em todas as temporadas, apesar da qualidade técnica, sempre foi visto pelos torcedores como um jogador egoísta, que gostava de resolver sozinho – de fato, Guarín costuma prender a bola, busca dribles em demasia e chuta, muitas vezes com erros abissais, de fora da área. 

O “Guaro” já saiu vaiado pelo San Siro algumas vezes e também já fez sinais de deboche para a torcida; também já discutiu com Mazzarri. Apesar de tudo, a torcida sabe de sua grande qualidade técnica, e o perdoa quando faz grandes jogadas. A relação de amor e ódio pode ter azedado de vez com a exposição do jogador nas tratativas, que teria dito que “queria só a Juventus”, também tera tentado forçar a saída quando as negociações estavam avançadas, e, segundo relatos, teria ameaçado não treinar. Apesar de ter recebido dois dias de folga, o colombiano treinou hoje, mas não deve ser convocado para a partida contra o Catania, domingo, e muito menos para o jogo contra a Juve, daqui a 10 dias.

8) Provoque a ira de sua maior organizada

A indiscrição dos dois clubes fez com que rapidamente os torcedores da Inter ficassem sabendo que a troca era verdadeira. Com todo o peso da balança a favor da Juventus, os torcedores se manifestaram onde podiam: choveram mensagens nas redes sociais contrárias às negociações, e houve manifestações em Milão, na sede e no centro de treinamentos da Inter. A Curva Nord, principal torcida organizada nerazzurra tratou de escrever uma carta aberta a Thohir, a quem não se referiram uma única vez como presidente. Ou seja, a carta foi uma ameaçadora declaração de guerra.

No comunicado, a torcida chama Moratti de presidente e pergunta claramente: “Temos um presidente? Parece que ouvimos dizer que não há Superman. Porém, deixar de ser Superman para ser Superbabaca é questão de segundos”, em referência a declaração de Thohir na semana anterior, na qual dizia que era impossível reformular o clube em pouco tempo. 

“A transferência que está acontecendo agora de um dos jogadores mais importantes da Inter para outro time italiano é a gota d’água. Não é aceitável neste momento. Um jogador jovem e bom tecnicamente por um pior? Tudo isso nos deixa confusos. Ao Sr. Thohir, recomendamos que esqueça o beisebol, a NFL, a NBA ou outras coisas que estão a anos luz de nossa realidade. Queremos atos concretos e menos ‘negócios’, menos sorrisos. Estamos na Itália, não na Indonésia ou nos Estados Unidos. Ou o Sr. Thohir se faz mais presente, com um ‘homem forte’, ou recomendamos fortemente que permaneça em sua casa”, lia-se na carta. Thohir havia programado ida a Milão nesta sexta, mas teria adiado a viagem para o domingo e sua presença é incerta.

Para que Thohir recupere o feeling com a torcida, que o aceitou sobretudo porque ele chegava para sanar as finanças do clube e dar um aporte mais internacional à Inter, será necessário que ele mostre que sabe de futebol, tomando atitudes sábias na administração do clube e quanto a política de transferências. Thohir precisará se redimir desta negociação que levou danos não só à Inter, mas a sua própria imagem. Ele terá de mostrar que ter dito que Nicola Ventola e Obafemi Martins eram seus jogadores preferidos foi apenas uma brincadeira. Até agora, há sérias dúvidas.

9) Acerte o negócio

Atenção para o ponto 9. Sim, mesmo com todos os indícios de que o negócio não seria vantajoso, acerte-o. Envie, já no final da noite, um SMS ao presidente do outro clube e dê o aval para o negócio. Faça os jogadores viajarem para fazer exames médicos, para agilizar tudo, afinal ninguém tem tempo a perder.

10) Cancele tudo

Anotou bem o ponto 9 e cumpriu os oito anteriores? Então pronto. Cancele todo o negócio. Irrite a diretoria da equipe rival e faça ela dar uma entrevista coletiva no dia seguinte, explicando como tudo aconteceu, quais eram as bases do acordo, em que período o time deu o ok para a troca e quando voltou atrás. Silencie ou dê respostas vagas sobre o assunto, mostrando como o outro clube provavelmente foi verdadeiro em sua versão. Ao invés de explicar o que aconteceu, a Inter preferiu dizer que “não se deve questionar a organização interna de outra sociedade” e que “a negociação nunca foi fechada”.

Tem mais: lembre-se que, em duas semanas, haverá um jogo importantíssimo entre as duas equipes, no caso Inter e Juventus, em Turim. Lembre-se também que a sua equipe está em crise, venceu apenas uma nas últimas oito partidas, não ganha fora de casa desde novembro e está 23 pontos atrás da rival, que venceu os últimos 12 jogos. Lembre-se como isso irá inflamar o técnico do time adversário, que adoraria ter um reforço de qualidade para o meio-campo e do ódio histórico entre as sociedades. Pronto, está feito.

Thohir desistiu do negócio após consultar o presidente honorário Massimo Moratti, que lhe explicou sobre o caráter emotivo que envolvia toda a questão. O próprio Moratti, embora tenha feito negociações surreais quando era presidente (exemplos: Seedorf e Pirlo ao Milan, em troca de Coco e Guly; Cannavaro à Juve em troca de Carini), dificilmente teria tomado a iniciativa para conversar sobre transferências do gênero – em parte porque aprendeu com os erros, em parte porque a relação entre os presidentes dos clubes é ruim. 

De qualquer forma, ter cancelado o negócio mostrou como a diretoria é amadora e não tem convicções. A troca era claramente ruim para a Inter desde que foi pensada e só não aconteceu por causa das pressões da torcida e de Moratti. Uma vitória a curto prazo. Mas quem garantirá que, daqui para frente, outros clubes continuarão levando a nova Inter a sério?

Esse guia em 10 passos foi patrocinado pelo Mahaka Media Tbk™, © Erick Thohir. Apostamos que será um recorde de vendas depois do dia 2 de fevereiro (conhecido como domingo da próxima semana), quando uma Juventus com sangue nos olhos terá a chance de destroçar uma Inter em crise, em Turim.

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