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Lazio: quarenta anos de um scudetto memorável

O primeiro scudetto da Lazio completa quatro décadas em 2014. No dia 12 de maio de 1974, o time romano vencia o Foggia no estádio Olímpico e conquistava a Itália pela primeira vez. A vontade pelo título era tanta que ele veio com uma rodada de antecedência, isso para o torcedor poder comemorar a grande conquista em casa.

Aquele time fantástico treinado pelo saudoso Tommaso Maestrelli é lembrado até hoje pelos amantes do calcio como uma das grandes equipes da história da Velha Bota. Para o laziale, a maior de todos os tempos. Pulici, Petrelli, Martini, Wilson, Oddi, Nanni, Re Cecconi, Garlaschelli, Frustalupi, Chinaglia, D’Amico. A ladainha do torcedor da Lazio. E, com esse timaço, o clube biancoceleste superou a poderosa Juventus de Zoff, Gentile, Capello, Bettega, Anastasi, Altafini e companhia, vencendo a Serie A da temporada 1973-74.

Para fazer conhecida aos mais jovens essa campanha quase impecável ou para atiçar as recordações de quem por ventura tenha vivido essa gloriosa época, preparei, depois de uma longa pesquisa, um post especial, onde falo sobre os personagens da conquista histórica, os jogadores que estarão para sempre no Olimpo laziale.

Os personagens do scudetto
A Lazio vinha formando um time competitivo desde a subida da Serie B em 1971-72, tanto que, no mesmo ano em que retornou à primeira divisão, o time de Maestrelli brigou até o final pelo título, ficando na terceira posição da Serie A. Os biancoazzurri mostraram-se como uma equipe aguerrida, que usava os (muitos) problemas extra campo, inclusive desavenças entre companheiros de time, como combustível para trucidar os adversários que apareciam pela frente. Com um futebol veloz e extremamente ofensivo, a esquadra da capital criava inúmeras chances de gol durante as partidas e, quando não era o artilheiro Chinaglia que colocava a bola nas redes, os jogadores que vinham de trás faziam esse trabalho. Lá atrás, a maestria do capitão Wilson como líbero dava tranquilidade aos outros defensores para destruir as jogadas ofensivas do oponente e, quando estes não conseguiam, ainda havia o ágil e seguro Pulici no gol. Assim, a Lazio teve a defesa menos vazada do campeonato, sofrendo apenas 23 gols em 30 partidas. O ataque, por sua vez, foi o terceiro melhor: 45 gols (24 de Chinaglia), perdendo apenas para Juventus (50) e Inter (47).

Felice Pulici, goleiro
Seguro e confiável, o arqueiro foi contratado para jogar a temporada 1972-73. Antes, quando estava no Novara, havia sofrido cinco gols em um jogo contra a Lazio, pela Serie B. Isso não abalou a confiança de Maestrelli nele, tanto que o goleiro foi titular desde que chegou a Roma e jogou cinco temporadas pela Lazio sem ficar de fora de uma partida sequer. Se a defesa laziale foi a menos vazada do campeonato, boa parte do mérito foi de Pulici. Em 1977, foi cedido ao Monza e passou também pelo Ascoli, retornando à Lazio em 1982, para em seguida encerrar a carreira. Já como ex-goleiro, foi dirigente na época em que Chinaglia presidiu o clube romano Foi ainda responsável pelas categorias de base em duas oportunidades e participou das gestões de Sergio Cragnotti e Claudio Lotito, para depois ser dirigente também do Ascoli.

Sergio Petrelli, defensor, um gol
O lateral teve que vencer a barreira de ter sido contratado diretamente da rival Roma. Mas com as boas atuações não foi difícil cair no gosto do torcedor da Lazio. No ano do scudetto, quando torcedores da Roma se reuniram em frente ao hotel onde os aquilotti estavam hospedados antes do dérbi para fazer barulho e incomodá-los, foi Petrelli um dos jogadores que os afugentou, disparando tiros de pistola para o ar. Além da Lazio e da Roma, ele jogou também por Carrarese, Pisa, Verona, Anconitana e L’Aquila, clube do qual também foi treinador.

Giuseppe Wilson, defensor, um gol
O capitão era o líder da retaguarda laziale e, depois do amigo Chinaglia, a grande bandeira daquele time fantástico. Extremamente técnico e com um senso de posicionamento invejável, dificilmente perdia uma dividida e, para driblá-lo, amigo, o atacante tinha que ser muito bom. Executando a função de líbero com maestria, é considerado um dos grandes da posição, atrás de lendas como Franz Beckenbauer e Gaetano Scirea. Chegou à Lazio em 1969 e só deixou o primeiro clube de Roma em 1978, para ter uma breve passagem pelo New York Cosmos de Long John e retornar naquele mesmo ano. Sempre ostentando a faixa de capitão, Pino se aposentou em 1980 e é até hoje o segundo jogador que mais vestiu a camisa biancoceleste, somando incríveis 394 partidas oficiais. Capitão por quase uma década, Wilson é um dos maiores ídolos da história da Lazio e hoje é comentarista esportivo.

Giancarlo Oddi, defensor
Presente em todas as partidas da Serie A, Oddi dava suporte a Wilson na defesa, atuando como central defensivo. O zagueiro teve uma carreira de idas e voltas na Lazio. Foi contratado em 1967 para jogar no time Primavera e conseguiu uma presença na Serie B. Depois, foi emprestado ao Sora, retornando ao fim da temporada. Novamente na Lazio, foi pouco utilizado e emprestado mais uma vez, agora para a Massese. Em 1971, voltou definitivamente à capital italiano, sendo fundamental para construir uma defesa sólida. Pouco tempo depois do scudetto, foi cedido ao Cesena, onde jogou mais de 250 partidas. Após encerrar a carreira de jogador, Oddi foi auxiliar técnico da Lazio e exerceu a mesma função em diversos outros times.

Luigi Martini, defensor
Se destacando como meio-campista em Lucchese, Siena e Livorno, Martini foi contratado em 1971 e foi transformado em lateral-esquerdo por Maestrelli. E, pela lateral, foi uma importante arma ofensiva da Lazio durante oito anos. Após deixar a Lazio, jogou nos Estados Unidos, para enfim encerrar a carreira. Foi também piloto de avião e exerceu dois mandatos de deputado.

Franco Nanni, meio-campista, dois gols
A trajetória de Nanni foi inversa a de Martini: ele começou como lateral e, como não se firmou na Lazio, o Maestro o escalou no meio-campo. E ali ele foi uma válvula de escape nas jogadas de ataque do time romano. Prestativo à equipe, contava também com um ótimo chute de longa distância. Depois que saiu da Lazio, se destacou também no Bologna. Foi técnico das categorias de base do time biancoazzurro nos anos 80 e hoje é dirigente esportivo.

Luciano Re Cecconi, meio-campista, dois gols
O “anjo loiro” foi treinado por Maestrelli no Foggia e, em 1972, o técnico o levou para a Lazio. Com uma técnica fantástica e uma grande habilidade com a bola nos pés, era o regista do meio-campo laziale e responsável pela criação das principais jogadas de ataque. Dotado de uma ótima visão de jogo, conseguia achar os companheiros em ótima posição para marcar o gol. Era o cérebro do time. Morreu tragicamente em 1977, quando, por seu espírito brincalhão, tentou simular um assalto a uma joalheria e foi atingido com um tiro no peito disparado pelo dono do estabelecimento, morrendo pouco tempo depois. Sua morte foi um símbolo da derrocada daquele time fantástico que acabou desmontado. Até hoje é lembrado como um dos melhores meio-campistas que a Lazio já teve.

Mario Frustalupi, meio-campista
O jogador que completava o tridente da meia-cancha da Lazio se destacou na Sampdoria e, depois, na Inter não teve o mesmo espaço que tinha em Gênova. O clube milanês então cedeu o jogador à Lazio e, na capital, Frustalupi reencontrou o bom futebol, sendo importante para o título em 1974. Depois, jogou em Cesena e Pistoiese. Em 1990, faleceu um acidente de carro. Seu filho, Nicolò, é o atual vice-treinador da Inter.

Renzo Garlaschelli, atacante, dez gols
Rápido e habilidoso, o baixinho jogou dez temporadas no primeiro time da capital, marcando 64 gols. Garlaschelli, com sua velocidade e seus dribles, criava espaço para Chinaglia ter condições de balançar as redes, mas também fazia seus gols – ele foi o vice-artilheiro da Lazio no campeonato. Arisco, foi ele que sofreu o pênalti contra o Foggia, na penúltima rodada, que Chinaglia converteu e deu à Lazio o primeiro título da Serie A. Hoje é comentarista esportivo e trabalha junto com Wilson na Radiosei.

Giorgio Chinaglia, atacante, 24 gols

O “grito de batalha”. O líder e símbolo absoluto daquela Lazio que enfrentava tudo e todos com garra e ousadia. O camisa 9 fez um campeonato perfeito, marcando 24 gols em 30 partidas, média invejável para qualquer atacante, ainda mais no futebol italiano. Long John passou e infância no País de Gales e lá começou a jogar futebol, pelo Swansea. De volta à Itália, jogou por Massese e Internapoli antes de ser contratado pela Lazio, em 1969. Na capital italiana, evoluiu sua capacidade técnica que, aliada ao seu grande porte físico, o ajudava a se livrar da marcação adversária e marcar gols. Ao todo, ele marcou 122 com a camisa laziale, número que o deixa na terceira posição na classificação dos maiores artilheiros da história do clube. Na Serie B 1971-72, foi importantíssimo para a promoção da Lazio, marcando 21 gols e sagrando-se capocannoniere do campeonato. Depois, foi artilheiro no ano do primeiro scudetto, sendo peça chave para o título. Antes de um jogo contra a Roma, foi ao vestiário dos adversários para intimidá-los, dizendo que “esperava-os lá fora”. Seu gesto, apontando o dedo contra a torcida romanista após um gol no dérbi é uma das imagens mais marcantes da história do futebol italiano. Foi do polêmico atacante o gol do título, na partida da penúltima rodada, contra o Foggia. Sua identificação com as cores da Lazio e sua ótima relação com técnico Maestrelli não o impediram, no entanto, de aventurar-se no New York Cosmos em 1976, para jogar ao lado de craques como Pelé e Beckenbauer. Nos Estados Unidos, foi quatro vezes campeão da NASL e cinco vezes artilheiro, gravando seu nome como maior goleador da liga. Após encerrar a carreira, foi presidente da Lazio nos anos 80, mas enfrentou vários problemas financeiros e judiciários, deixando o cargo algum tempo depois. Foi também comentarista esportivo e embaixador do Cosmos. Chinaglia faleceu em 2012, mas seu nome permanecerá sempre na memória do torcedor laziale, que o considerará como símbolo de uma época de ouro.

Vincenzo D’Amico, atacante, dois gols
A trajetória do jogador, nascido em Latina, na Lazio começou cedo: aos 16 anos, ele já fazia parte do time Primavera. Com boas atuações, o atacante chamou a atenção do treinador Juan Carlos Lorenzo, que o levou para o time principal. Antes de completar 18, estreou na Serie B em um jogo contra o Modena. O campeonato de 1973-74 foi a primeira Serie A de D’Amico, sua estreia foi contra a Sampdoria, na segunda rodada. A partir dali, o jovem que gostava de jogar pelos lados e que era ótimo nas assistências e cobranças de falta conquistou a vaga de titular, sendo eleito ao final da temporada a revelação do campeonato. Em 1980, foi cedido, contra a sua vontade, ao Torino, mas retornou à Lazio, agora na Serie B, no ano seguinte. Como cuidava pouco de seu físico, o nível de suas atuações caiu, e, em 1988, ele encerrou a carreira de jogador na Ternana. Trabalhou, depois, nas categorias de base da Lazio e foi dirigente em outros clubes. Atualmente, é comentarista esportivo.

Tommaso Maestrelli, treinador
O histórico técnico foi meia do Bari e da Roma nas décadas de 1940 e 1950, e foi contratado para treinar a Lazio em 1971, após bons resultados com o Foggia. Carismático e muito empenhado em seu trabalho, montou, em pouco tempo e após um início complicado, o time que viria a ser campeão italiano, com um 4-3-3 ofensivo e de muita velocidade e técnica. Conseguia, com grande habilidade, controlar as rivalidades internas de um grupo que contava com jogadores de personalidades muito fortes. Com Chinaglia, talvez a pessoa mais difícil  de se lidar daquele elenco, teve uma relação de pai e filho. Após o título, um câncer no fígado o afastou do futebol. Sem o Maestro, o rendimento da Lazio caiu drasticamente e o time quase foi rebaixado, até que Maestrelli, mesmo doente, voltou ao comando da equipe e evitou a retrocessão. Sua morte, no final de 1976, marcou o fim daquele período em que a Lazio jogava um futebol fantástico e impunha respeito em qualquer adversário. Para se ter uma ideia, os romanos só voltaram a vencer outro título de expressão duas décadas  e meia depois de ter conquistado o primeiro scudetto. A figura de Maestrelli é uma das mais queridas da história da Lazio, e seu legado se estende também ao futebol italiano em geral.

Roberto Lovati, vice-treinador
O nome de Lovati é quase sempre usado para definir a lazialità, ou a “lazialidade”, o estilo de ser laziale. Uma vida dedicada ao primeiro time de Roma. Nascido na capital, Bob, como era carinhosamente chamado, só pôde jogar pelo seu time do coração em 1955. Antes, passou por times como Pisa, Monza e Torino. Goleiro de ótimas qualidades, foi ele o capitão que ergueu o primeiro troféu oficial da Lazio: a Copa Itália de 1958. Como jogador, atuou seis temporadas pelo primeiro time da capital e, após se aposentar, passou a ser treinador de goleiros, assumindo depois várias funções, como a de responsável pelas categorias de base, a de auxiliar técnico, a de treinador e até a de dirigente. Com o tempo, tornou-se uma figura indispensável para o clube biancoceleste, e, junto com Maestrelli, foi fundamental para montar o time campeão em 1974. Faleceu em 2011, e seu funeral foi realizado na mesma igreja onde aconteceu o do Maestro.

Umberto Lenzini, presidente
O “papai” Lenzini era uma pessoa extremamente carismática e com grande espírito empreendedor. Nascido nos Estados Unidos, chegou à presidência da Lazio em 1965 e permaneceu no cargo durante quinze anos. Foi um dos grandes responsáveis por transformar um clube que oscilava entre a primeira e a segunda divisão em uma dos melhores times que o futebol italiano já viu, graças às contratações de jogadores que marcaram a história da equipe da capital. Lenzini morreu em 1987, quando a Lazio não recordava nem de longe o glorioso time de sua época.

Quatro décadas depois, a homenagem

O capitão Pino Wilson, junto com outros heróis do primeiro scudetto, organizou um evento chamado “Di padre in figlio” (que pode ser traduzido como “De pai para filho”). A ocasião reunirá ex-jogadores que fizeram história na Lazio, tanto nos anos 70 quanto em outras épocas, como a do segundo título da Serie A, e estes disputarão um jogo amistoso no estádio Olímpico. Nomes como o de Nesta, Verón, Almeyda, Mancini, Mihajlovic, Stankovic e Ruben Sosa já estão confirmados. Atletas do elenco atual, como Ledesma, Radu e Keita também participarão da comemoração, marcada estrategicamente para o dia 12 de maio. Os filhos dos campeões que faleceram também estarão presentes. São esperadas mais de 60 mil pessoas no Olímpico para homenagear a maior Lazio da história.

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