Jogadores

O currículo e os feitos de Aldo Serena fazem inveja a muitos craques mais conhecidos

Aldo Serena esteve longe de ser um craque. Longe, mesmo. Porém, o atacante foi competente e conseguiu fazer parte de alguns seletos grupos do futebol italiano. É um dos poucos jogadores a terem atuado pelos dois times de Milão e também pelos dois times de Turim. É, ainda, um dos 10 únicos atletas que vestiram a camisa de Inter, Juventus e Milan. Para concluir, Serena é um dos cinco jogadores que venceram scudetti com três camisas diferentes. Serena, inclusive, é o único jogador que já venceu três títulos italianos com a camisa dos grandes.

Nascido na pequena Montebelluna, na província de Treviso, Serena começou cedo no futebol. Deu seus primeiros passos no clube homônimo de sua cidade natal, na Serie D, e desde cedo mostrou ao futebol da Bota sua marca pessoal como jogador: a verve goleadora através de cabeçadas fortes e bem colocadas. Com nove gols marcados, logo chamou a atenção da Inter, que o levou para Milão com 18 anos. Serena foi reserva de Alessandro Altobelli e Carlo Muraro em sua primeira temporada, o que não lhe dava muito espaço – apesar disso, anotou seu primeiro gol na primeira divisão contra a Lazio. Assim, passou dois anos emprestado a equipes da Serie B para ganhar experiência.

Seu primeiro ano na segundona não foi muito bom do ponto de vista pessoal, mas acabou com título conquistado. Foram apenas 18 presenças e dois gols pelo Como, da Lombardia, na campanha que devolveu os lariani para a elite, o que não garantiu sua continuidade no clube. Assim, Serena foi parar no Bari, onde foi titular. Os 10 gols marcados pelo clube do sul da Itália fizeram a Inter apostar no jovem contratado dois anos antes. Assim, em 1981, Serena retornou à Inter, e novamente não explodiu. Mesmo assim, foi importante na conquista da Coppa Italia: na partida de ida, foi o autor do gol do 1 a 0 interista sobre o Torino. Na volta, o empate por 1 a 1 garantiu o troféu para os nerazzurri.

Mesmo assim, Serena voltou a não ser aproveitado pela Beneamata. Porém, permaneceu em Milão: no negócio que levou o zagueiro Fulvio Collovati ao lado nerazzurro, foi emprestado juntamente com o volante Nazzareno Canuti ao rival Milan, que havia sido rebaixado pela segunda vez em três anos à Serie B. Vestindo rossonero, Serena foi um reserva importante na conquista do título da segundona. O técnico Ilario Castagner tinha Joe Jordan, Giuseppe Incocciatti e Sergio Battistini como opções em sua frente, mas o Testina d’Oro – como era apelidado por sua habilidade no jogo aéreo – não decepcionou. Marcou oito gols e retornou à Inter pela segunda vez.

Na sua terceira passagem pela Milão nerazzurra, Serena reencontrou Altobelli e Muraro no ataque da Inter, mas dessa vez atuou mais vezes. A troca de propriedade – Ivanoe Fraizzoli vendeu a equipe para Ernesto Pellegrini – atrapalhou um pouco nos bastidores, e o time comandado por Luigi Radice, que tinha também jogadores como Walter Zenga, Giuseppe Bergomi, Giuseppe Baresi, Riccardo Ferri, Evaristo Beccalossi e Hansi Müller, padeceu no início da temporada, mas depois se recuperou. Serena marcou oito gols na campanha e novamente mudou de equipe: seguiu o técnico Radice e fechou com o Torino juntamente com o brasileiro Júnior.

Serena atuou no Torino por apenas uma temporada, mas chamou atenção (imago)

O Toro faria uma surpreendente campanha em 1984-85. Serena e Júnior se juntaram a Giuseppe Dossena e Walter Schachner como os maiores destaques do time que seria vice-campeão, ficando atrás apenas do histórico Verona de Osvaldo Bagnoli. Serena foi o artilheiro da campanha grená, com nove gols. Os mais importantes deles foram anotados contra o Napoli de Diego Maradona – uma doppietta –, Inter, Roma e, o principal: no dérbi contra a Juventus, o Testina d’Oro cabeceou para as redes a bola que deu a vitória de virada por 2 a 1 ao Toro, aos 89 minutos, após um cruzamento de Júnior. Catarse e festa para a torcida da Curva Maratona.

O desempenho de Serena pelo Torino e o gol marcado no dérbi chamaram a atenção de Enzo Bearzot, que o levou pela primeira vez à seleção italiana. Quem também prestou atenção nele foi a Juventus, recém-campeã europeia, que decidiu gastar bastante para tê-lo. A história da transação é curiosa: Serena assistia a um show do roqueiro Bruce Springsteen em San Siro, e foi avisado de que o presidente Pellegrini precisava falar com ele. Após o show, foi a pé até a casa do dirigente, que o comunicou que seria negociado em definitivo.

No fim das contas, a Velha Senhora pagou 2,8 bilhões de velhas liras e ainda cedeu o histórico meia Marco Tardelli (avaliado em 3,2 bilhões e com 10 anos de casa) para colocar as mãos sobre o centroavante. O acerto fez de Serena o quarto jogador a atuar com as três maiores camisas da Itália – os primeiros haviam sido Luigi Cevenini, Giuseppe Meazza e Enrico Candiani; e os que vieram depois foram Roberto Baggio, Edgar Davids, Christian Vieri, Patrick Vieira, Zlatan Ibrahimovic e Andrea Pirlo.

Pela primeira vez em sua carreira, Serena passaria mais de uma temporada em um mesmo clube. Mas também não tanto tempo assim: foram dois anos vestindo bianconero, em uma passagem positiva. Ele chegou para substituir Paolo Rossi, enquanto Michael Laudrup assumia o lugar de Zbigniew Boniek em um ataque que ainda contava com um Michel Platini já veterano.

Serena foi campeão mundial pela Juventus (imago/AFLOSPORT)

A última temporada de Giovanni Trapattoni no comando da equipe após 10 anos foi vitoriosa. Os juventinos garantiram o Mundial Interclubes sobre o Argentinos Juniors – tornando-se, assim, a primeira equipe a vencer todas as competições oficiais em nível internacional. Serena marcou um dos gols na disputa de pênaltis, e seguiu seu percurso goleador também na Serie A. Ele foi o vice-artilheiro bianconero na conquista do scudetto com 11 gols, um a menos que Platini, e deixou o seu contra a vice-campeã Roma, o Torino e na partida decisiva frente ao Lecce. Acabou convocado para a Copa de 1986, mas não entrou em campo na decepcionante campanha azzurra.

O ano seguinte foi novamente bom para o atacante, que foi o artilheiro da Juventus na Serie A e no geral, com 10 e 16 gols, respectivamente. Porém, a Velha Senhora não levantou nenhum título na última temporada de Platini como jogador. O mais perto de um troféu que a equipe treinada por Rino Marchesi, ex-Como, chegou foi no Campeonato Italiano: vice-campeonato, perdendo para o Napoli de Maradona. Ao final de 1987, Serena voltaria a ser negociado. A pedido de Trapattoni se transferiria para a Inter, e faria sua quarta e última passagem pelo clube nerazzurro.

Novamente sob o comando de Trap, Serena teve uma primeira temporada difícil, novamente ofuscada por Altobelli, que tinha características similares às suas. Com a saída do Spillo e as chegadas de Lothar Matthäus, Ramón Díaz, Nicola Berti, Alessandro Bianchi e Andreas Brehme, Serena enfim brilhou de uma vez com a camisa azul e preta. No 3-5-2 de Trapattoni, o italiano fazia dupla de ataque com Díaz, e era frequentemente acionado pelos cruzamentos dos alas Bianchi e Brehme, e pelos lançamentos longos de Matthäus.

Terminal ofensivo de uma equipe muito forte e que seria conhecida como a “Inter dos recordes”, Serena foi um dos grandes nomes da conquista do scudetto, em 1989. O time marcou época como a que mais fez pontos na história da Serie A em campeonatos de 18 equipes, quando as vitórias ainda valiam dois pontos: 58, no total. 30 desses pontos tiveram a marca do artilheiro, que foi o goleador da temporada, com 22 gols anotados na Serie A, da qual foi o artilheiro, e 28 no geral. Ao todo, Serena marcou cinco doppiette, recorde até hoje em uma única temporada da Serie A.

Serena foi o artilheiro nerazzurro e o goleador da Serie A na campanha do scudetto dos recordes, conquistado em 1989 (Arquivo/Inter)

Foram gols de quase todos os jeitos, mas principalmente de cabeça, mostrando presença de área, ou apenas com um toque na bola, preferencialmente com a perna canhota. Serena ficou conhecido em sua carreira por ser um atacante que fazia valer a lei do ex, e nessa temporada fez gols em todas as suas ex-equipes: Milan, Juventus, Torino e Como – só o Bari, na Serie B, escapou.

A chegada de Jürgen Klinsmann para o lugar de Díaz novamente ofuscou Serena, já que o alemão tinha características muito similares às suas. No início do ano, o italiano foi bem, e marcou um dos gols da vitória na Supercopa Italiana sobre a Sampdoria. Marcou um gol nos 16 avos de final da Copa dos Campeões, mas viu seu time ser eliminado pelo Malmö de Roy Hodgson, na primeira fase da competição. Ao longo de 1989-90, caiu de rendimento, mas ainda assim fechou a temporada com 13 gols – 9 na Serie A, em que a Inter ficou na terceira posição.

Ao final da campanha, o atacante foi convocado por Azeglio Vicini para a disputa da Copa de 1990, que acontecia na Itália. Serena era reserva de Salvatore Schillaci, e atuou em três jogos: contra o Uruguai, nas oitavas, fez seu único gol, justo no dia do aniversário de 30 anos. A felicidade acabaria nas semifinais, contra a Argentina. O interista desperdiçou sua cobrança, a última da série de penalidades, e foi um dos responsáveis pela queda da Itália, que ficaria com o terceiro lugar.

Em 1990-91, Serena já não tinha o mesmo prestígio em Milão: não era mais um titular indiscutível e começou várias partidas no banco da Internazionale, que tinha em Matthäus e Klinsmann seus grandes nomes. A Beneamata brigou pelo título com Milan (vice) e Sampdoria (campeã), mas acabou ficando na terceira posição da Serie A outra vez. No torneio, fez apenas 20 partidas e marcou oito gols: um importante, diante do Parma, três nos dois jogos contra o Bari – única equipe que defendera e ainda não havia provado do seu veneno –, além de uma tripletta contra o rebaixado Pisa e um tento na goleada sobre o também condenado Cesena.

Serena encerrou a carreira pelo Milan, clube em que pouco jogou (imago/Buzzi)

A equipe nerazzurra, por sua vez, teve vida melhor na Copa Uefa, na qual Serena marcou apenas um gol: na volta das quartas de final contra a Atalanta, facilitou uma partida que estava difícil, aos 15 do segundo tempo. A ida havia acabado empatada por 0 a 0 e o gol do artilheiro, seguido ao de Matthäus, levou os milaneses à final italiana com a Roma. Serena entrou no jogo de ida, e das tribunas na partida de volta, viu a equipe levantar o título.

Aos 31 anos, Serena trocou pela última vez de casa, mas continuou a viver em Milão. Outra vez contratado pelo Milan, assumiu sem reclamar o papel de coadjuvante de uma equipe histórica, treinada por Fabio Capello. Na sua segunda passagem pelo Diavolo, que durou dois anos, Serena entrou em campo poucas vezes: 17, no total – apenas duas na segunda temporada –, sem marcar gols. Afinal, concorrer com Marco van Basten, Ruud Gullit, Jean-Pierre Papin, Daniele Massaro e um jovem Marco Simone não era fácil – principalmente quando ele já era um veterano.

Nestes anos vestindo a camisa do Milan, conquistou seus últimos títulos da Serie A, em 1992 e 1993. Assim, ele se juntou a Giovanni Ferrari, Filippo Cavalli, Sergio Gori e Pietro Fanna como únicos a ter ganhado scudetti com três equipes diferentes – Attilio Lombardo entraria nesse seleto grupo alguns anos depois. Somente Serena, porém, chegou a estes títulos com as camisas do trio de gigantes italianos – Ibrahimovic e Vieira também poderiam ter as duas honrarias citadas, mas os títulos da Juventus em 2005 e 2006 foram revogados pela federação.

Depois dos títulos, Serena anunciou sua aposentadoria, pouco antes de completar 33 anos. Ele poderia buscar contratos em equipes menores, mas preferiu fechar uma vitoriosa carreira por cima, de cabeça erguida. Depois de deixar o futebol, o ex-atacante passou a atuar como comentarista em redes de TV italianas.

Aldo Serena
Nascimento: 25 de junho de 1960, em Montebelluna, Itália
Posição: atacante
Clubes: Montebelluna (1977-78), Inter (1978-79, 1981-82, 1983-84 e 1987-91), Como (1979-80), Bari (1980-81), Milan (1982-83 e 1991-93), Torino (1984-85) e Juventus (1985-87).
Títulos: Serie A (1986, 1989, 1992 e 1993), Mundial Interclubes (1985), Copa Uefa (1991), Coppa Italia (1982), Supercopa Italiana (1989 e 1992) e Serie B (1980 e 1983)
Seleção italiana: 23 jogos e 5 gols

Compartilhe!

Deixe um comentário