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O efusivo Filippo Inzaghi comemorava cada gol como se fosse o último

Filippo Inzaghi nunca foi um excelente jogador, embora tenha sido infinitamente melhor que seu irmão, o também atacante Simone. Pippo também esteve longe de ser um perna de pau. Ele simplesmente sabia fazer gols. Estava sempre na hora certa e no lugar certo. Algumas vezes impedido, é verdade, mas ninguém faz mais de 300 gols na carreira, a maior parte deles por Juventus e Milan, à toa. Muito menos é o maior artilheiro italiano da história da Liga dos Campeões e de todas as competições Uefa, e o único jogador a ter marcado em todas as competições internacionais de clubes. Tem de, no mínimo, estar no lugar certo e na hora certa. E Inzaghi sabia fazer isso como ninguém.

Efusivo nas comemorações, Inzaghi é aquele jogador que qualquer torcedor quer em seu time, mesmo que em alguns momentos seja preciso criticá-lo. Disputando cada jogo como se fosse o último de sua carreira, Pippo, como ficou conhecido, ganhou os corações dos torcedores milanistas e de toda Itália, anotando gols decisivos até mesmo em Copa do Mundo.

Crescido na base do Piacenza, clube homônimo de sua cidade natal, Inzaghi debutou no profissional ainda jovem, com apenas 18 anos. Jogando a Serie B, mostrou-se um jogador rápido e de muita técnica, mas a falta de oportunidades impediu o desenvolvimento de seu futebol. Emprestado ao Leffe, para a disputa da Serie C1, começou a temporada na reserva, mas quando marcou seu primeiro gol como profissional, deslanchou: foram 13 em 21 jogos.

O acesso do Piacenza à Serie A impediu seu retorno ao clube formador, já que o atacante não teria a chance de manter a regularidade. Inzaghi conseguiu um novo empréstimo, dessa vez ao Verona, onde rapidamente ganhou o carinho da torcida e o apelido de Superpippo. Os 13 gols em 36 partidas não ajudaram os gialloblù a conseguirem o acesso, mas foram o que faltava para que ele retornasse ao Piacenza e assim, se firmasse de vez nos biancorossi.

No clube emiliano, Inzaghi se tornou peça fundamental e, ao lado de Gianpietro Piovani, foi o artilheiro da equipe na conquista da segundona da temporada 1994-95, com 15 gols anotados. Antes mesmo de retornar ao clube em que foi revelado, Inzaghi conquistou, em 1994, o Europeu Sub-21 com a seleção italiana, para a qual já vinha sendo convocado desde 1993.

Pippo destacou-se na Atalanta antes de assinar com a Juventus (Vavel)

Só que Superpippo não jogou a primeira divisão pelo Piacenza. Ele se mudou por apenas 66 quilômetros, para Parma. O clube crociato, então vivendo uma época de fartura financeira, apostou no atacante com faro de gol, arranque e senso de posicionamento. Com Nevio Scala no comando técnico, Inzaghi chegou a ter espaço entre os titulares, mas viveu a primeira temporada no mais alto escalão do futebol italiano de forma decepcionante. O então jovem atacante se tornou negociável em pouco mais de três meses, e já estava pronto para ser emprestado ao Napoli. Porém, uma reviravolta aconteceu.

Às vésperas da transferência, ele marcou o gol que abriu o caminho para uma virada histórica do Parma contra o sueco Halmstad, de Fredrik Ljungberg, pela Recopa – a partida acabou em 4 a 0, e os ducali avançaram com 4 a 3 no placar agregado. A atuação transformou Inzaghi em ídolo da torcida, e Calisto Tanzi, proprietário da Parmalat, vetou a transferência aos partenopei. O técnico do Napoli, Vujadin Boskov, também não aprovava a negociação, o que facilitou a desistência de ambas as partes. Só que, mesmo permanecendo em Parma, Inzaghi acabou se machucando e fez pouco na temporada: 13 jogos e somente dois gols.

No ano seguinte foi vendido à Atalanta, do presidente Ivan Ruggeri. Em Bérgamo, sob o comando do histórico Emiliano Mondonico, finalmente estourou como profissional. Inzaghi atuou em 33 dos 34 jogos da boa campanha dos nerazzurri, que ficaram com a 10ª posição (à frente de Milan e Roma), e marcou nada menos que 24 gols (seis em cobranças de pênaltis), consagrando-se como artilheiro da Serie A. O centroavante ainda acabou igualando um recorde pertencente exclusivamente a Michel Platini: o de carrasco do maior número de times adversários em um campeonato de 18 equipes. Pippo fez gols em 15 das 18 equipes da competição – excluindo a Atalanta, claro, só não anotou gols contra Parma e Udinese. Seu técnico à época, Mondonico cunhou frase célebre sobre o artilheiro: “não é Inzaghi que é apaixonado pelo gol, é o gol que é apaixonado por ele”.

Com tamanho sucesso, era iminente à ascensão aos grandes clubes e a chegada à seleção. Antes mesmo de deixar a Atalanta, em junho de 1997, recebeu sua primeira convocação para a Squadra Azzurra, e estreou no Torneio da França em um eletrizante 3 a 3 contra o Brasil. Pouco depois, a Juventus, atual campeã, apostou no ainda jovem Inzaghi (que tinha 24 anos), para fazer uma fantástica dupla de ataque ao lado de Alessandro Del Piero, em um time que tinha um tal de Zinédine Zidane como cérebro. Com as características e qualidades de Inzaghi (posicionamento, velocidade, bom cabeceio, excelente finalização e desmarques perfeitos à margem do impedimento), tinha tudo para dar certo. E deu.

No primeiro ano, a parceria da dupla de atacantes rendeu à Vecchia Signora 59 gols – 27 de Superpippo; 18 na Serie A, e todos com bola rolando. E também conquistas. Pippo foi fundamental aos dois títulos juventinos na temporada: iniciou sua trajetória com uma doppietta em sua estreia, na Supercopa Italiana, vencida por 3 a 0 contra o Vicenza, e ainda marcou uma tripletta no jogo que deu o título da Serie A, um 3 a 2 sobre o Bologna na penúltima rodada.

Com ajude de Zidane e Del Piero, Inzaghi continuou uma máquina de fazer gols em Turim (Twitimagoter)

Os gols de Inzaghi continuaram a sair aos montes. Nas três temporadas seguintes foi o artilheiro da equipe mesmo quando teve uma temporada abaixo da média, com apenas 16 gols, mas sempre balançando as redes em momentos decisivos, como na semifinal da Liga dos Campeões de 1998-99, quando marcou dois gols em 10 minutos contra o Manchester United – a Juventus acabou levando uma virada e foi eliminada, porém – ou na final da Coppa Italia, contra a Udinese. Foram anos de vacas magras para a Juventus, entre 1997 e 2000, mas o atacante mostrou faro de gol, especialmente na Champions.

Em quatro anos de clube, foram 89 gols marcados, que lhe valeram um prestígio imenso junto à torcida e um posto fixo na seleção italiana. Reserva na Copa de 1998, participou de dois jogos e deu assistência para Roberto Baggio marcar um gol na vitória contra a Áustria. Depois, Pippo foi titular no ciclo da Euro 2000, e na própria competição, e também disputava vaga no time que se classificou para a Copa do Mundo de 2002. Inzaghi vivia ali o melhor momento de sua carreira, e não à toa o Milan não economizou investimentos para contratar o atacante, ainda em 2001, para fazer dupla com Andriy Shevchenko. Foram 70 bilhões de velhas liras pagas à Juventus – 40 bilhões em dinheiro mais o passe do flop Cristian Zenoni.

Ao vestir a camisa rossonera, iniciava ali uma epopeia que duraria 11 anos. Logo em seu primeiro jogo pelo Diavolo, Inzaghi deixou sua marca, contra o Brescia, mas uma lesão nos ligamentos do joelho comprometeu praticamente metade da temporada, justamente quando da chegada de Carlo Ancelotti no comando técnico da equipe, substituindo Fatih Terim.

Pippo se recuperou e voltou com tudo na temporada seguinte, quando fez sua melhor temporada, anotando 30 gols e levando o Milan ao título europeu, em cima da Juventus, na histórica noite de Old Trafford, na qual Dida brilhou. O atacante se refestelou em 2002-03: foi o artilheiro rossonero na Liga dos Campeões, com 12 gols – 10 na fase de grupos, sagrando-se segundo maior goleador do torneio –, e terceiro colocado na artilharia da Serie A, com 17 gols. Também marcou o gol decisivo na final da Coppa Italia, vencida contra a Roma.

Os dois anos e meio seguintes, porém, não foram bons. Uma série de lesões comprometeu praticamente duas temporadas, nas quais anotou apenas 8 gols em 43 partidas, quase todas vindo do banco de reservas. A falta de ritmo de jogo fez com que Inzaghi fosse preterido por Marco Di Vaio na fase final da Euro 2004. A recuperação veio na temporada 2005-06, quando 17 gols marcados do meio para o final da temporada levantaram a moral do camisa 9. Na ocasião, ele marcou uma doppietta sobre o Lyon, levando o Milan para as semifinais da Champions, mas a equipe caiu para o Barcelona.

O topo: Inzaghi comemora um de seus dois gols na final da Liga dos Campeões de 2007 (Getty)

As suas atuações, no entanto, convenceram o técnico Marcello Lippi a convocá-lo para a Copa de 2006. No Mundial da Alemanha, Inzaghi só atuou durante 33 minutos, mas deixou seu gol contra a República Checa. E, o mais importante: entrou para a história como parte do elenco tetracampeão com a Nazionale. Pippo ainda foi convocado algumas vezes por Roberto Donadoni para amistosos e Eliminatórias da Euro 2008, mas se aposentou da seleção em 2007.

Alternando bons e maus momentos, Inzaghi teve boa parte de sua passagem marcada como uma opção à Sheva, embora tivessem jogados juntos em muitas oportunidades. Desde a saída do ucraniano, Pippo alternou no comando de ataque com Ronaldo, Alberto Gilardino e Alexandre Pato, mas sempre sendo decisivo.

Foi assim na final da Liga dos Campeões de 2006-07, na qual foi eleito o melhor em campo. Ele marcou duas vezes contra o Liverpool, vingando o Diavolo pela derrota na decisão da competição dois anos antes – Inzaghi já havia sido decisivo na fase preliminar, quando marcou gol que permitiu ao Milan, penalizado pelo Calciopoli e relegado aos play-offs do torneio, de avançar no sufoco contra o Estrela Vermelha. Superpippo ainda foi fundamental na final do Mundial de Clubes de 2007 contra o Boca Juniors (dois gols), ou no dérbi contra a Inter, em 2008, que garantiu a vitória por 2 a 1.

O clube ia se modificando – para pior – mas a camisa 9 tinha um único dono. Ora titular, ora opção (por problemas físicos ou pela idade), Inzaghi foi um perfeito jogador de elenco. Jamais reclamou e quando entrava, fazia sua parte. As temporadas 2007-08 e 2008-09 foram as últimas temporadas realmente boas do artilheiro, que marcou mais de 15 gols em ambas as campanhas.

Superpippo conquistou títulos, prêmios e marcas individuais, até mesmo ocupando o posto de maior artilheiro das competições europeias por um tempo, com 70 gols – depois foi superado por Raúl, com quem manteve ferrenha disputa, e por Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Entre os italianos, porém, não tem para ninguém: a primazia é dele. Porém, aos poucos a idade chegou e a velocidade característica foi se perdendo. Em seu lugar, aumentaram os impedimentos, algo que se tornou uma marca em seus últimos anos como jogador. Em seus três últimos anos como profissional, Inzaghi jogou pouco (principalmente nas duas últimas temporadas, na qual conviveu com séria lesão no joelho e outras questões físicas) e marcou ainda menos – só 10 vezes neste período, algo inimaginável para um artilheiro do seu calibre. No entanto, ainda levantou mais um scudetto, em 2011.

Pippo é o maior artilheiro italiano da UCL (imago)

Em 13 de maio de 2012, Inzaghi vestiu pela última vez a camisa rossonera, como profissional. No San Siro não tão cheio, dado as fracas campanhas do time, Pippo precisou esperar quase setenta minutos para entrar em campo. Mas quando entrou fez o gol que garantiu a vitória contra o Novara, o último de sua carreira. Claro, comemorou como um louco. Como se fosse o primeiro e como se fosse – como acabou sendo – o último.

A gratidão pelo que fez na carreira se justifica não só pelas emoções que deu aos torcedores – principalmente do Milan, em seus 11 anos de clube – mas também pelos números. Inzaghi é um jogador histórico para o rossonero. É o sexto maior artilheiro da história do clube, com 126 gols, superando um mito como Marco van Basten (124). Pippo é o segundo maior marcador da Era Berlusconi, período mais glorioso do clube, ficando atrás apenas de Shevchenko. Ele também é o quarto jogador mais velho a ter vestido a camisa do clube (com quase 39 anos, quando se aposentou), e também chegou a ser o mais velho a ter marcado um gol na Liga dos Campeões – foi superado por Ryan Giggs. Superpippo ainda é um dos 20 maiores goleadores da Serie A, com 156 tentos anotados, e o sexto maior artilheiro da seleção italiana, com 25 gols. Em 20 anos de carreira, marcou 316 gols.

Longe da grande área, Inzaghi não tardou a iniciar sua carreira na área técnica. No ano seguinte começou o trabalho nas categorias de base do Milan. Foram dois anos de bons trabalhos até que, após a demissão de seu ex-companheiro, Clarence Seedorf, Pippo assumiu o comando do time principal, com o intuito de guiar o Milan na temporada 2014-15. Teve apenas uma temporada à frente de um time fraquíssimo e se desentendeu com alguns jogadores do elenco. O resultado: a 10ª colocação na Serie A e a demissão do cargo, sem que lhe fosse dado tempo e nem mesmo consideração à sua história.

Hoje ambos seguem suas trajetórias. O Milan busca se recuperar e Inzaghi aguarda ofertas para voltar ao comando de alguma equipe. Ficam, na memória, imagens de um passado em que foram muito felizes juntos.

Veja todos os gols de Inzaghi com a camisa rossonera:

 

Filippo Inzaghi
Nascimento: 9 de agosto de 1973, em Piacenza
Posição: atacante
Clubes como jogador: Piacenza (1991-95), Leffe (1992-93), Verona (1993-94), Parma (1995-96), Atalanta (1996-97), Juventus (1997-2001) e Milan (2001-12)
Títulos como jogador: Serie B (1994-95), Serie A (1997-98, 2003-04 e 2010-11), Coppa Italia (2002-03), Supercoppa (1997 e 2011), Copa Intertoto (1999), Uefa Champions League (2002-03 e 2006-07), Supercopa da Uefa (2003 e 2007), Mundial de Clubes da Fifa (2007), Euro sub-21 (1994) e Copa do Mundo (2006)
Clubes como treinador: Milan (2014-15)
Seleção italiana: 57 jogos e 25 gols

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