Serie A

Duas visões sobre o caos da Inter e o futuro de Pioli

Torcedor da Inter, Pioli chega para tentar dar um sentido a um clube perdido nos últimos anos (Inter.it)

No
início da semana ficou claro que a Inter anunciaria Stefano Pioli como
seu novo treinador. Na ocasião, encomendamos um texto sobre o assunto e
que abordasse também a demissão de Frank De Boer ao Arthur Barcelos,
colaborador do Quattro Tratti e blogueiro do La Beneamata, do ESPN FC.
Pois bem, ele escreveu sobre os dois temas em seu blog e nos cedeu o
direito de publicarmos suas palavras aqui, mas a opinião do Arthur
diverge em muito da deste colunista que vos escreve. Portanto, iremos
fazer diferente: apresentaremos os dois pontos de vista sobre as
questões mais relevantes que envolvem mais esta troca de técnico dos
nerazzurri.

Começamos pelo final: a escolha do novo treinador. Trechos trazidos do ESPN FC estarão em itálico.

O que esperar de Stefano Pioli?

Nascido
na Emília-Romanha no seio de uma família de torcedores da Inter, Pioli
foi contratado principalmente por já ter experiência na Serie A. O
comandante parmense foi zagueiro da Juventus e da Fiorentina e, desde
que se tornou treinador, tem um currículo digno, com passagens
destacadas por Modena, Sassuolo, Chievo, Bologna e Lazio. No La Beneamata, Arthur Barcelos ressalta os feitos positivos de Pioli: “ótimo
segundo turno na Lazio em 2014-15, com a conquista do terceiro lugar,
com um ponto a menos que o segundo; e também o bom desempenho defensivo
das suas equipes em 2010-11, 2011-12 e 2012-13”
. Nosso colaborador
lembra que, nesses anos, os times treinados pelo emiliano tiveram zagas
menos vazadas do que as da Inter no mesmo período.

Por
outro lado, Arthur coloca o aproveitamento do técnico como um dos
motivos para o pessimismo em torno de sua escolha. No Campeonato
Italiano, Pioli tem aproximadamente 33% de aproveitamento. Um número
baixo? Não exatamente, visto que ele nunca comandou um time de ponta, e
conseguiu fazer mais do que o esperado com Chievo, Bologna e Lazio – à
frente dos romanos, inclusive, teve 48,35%. Esses números são superiores
ao de um técnico muito elogiado na Itália, e muitas vezes tido como
ideal para dirigir o Milan: Roberto Donadoni, atual treinador do
Bologna, tem 33,62% de aproveitamento e nunca chegou perto dos 48 de
Pioli à frente de um clube. O contexto é importantíssimo para avaliarmos
estes números.

O
trabalho do novo treinador, porém, começa com pedreiras pela frente:
Pioli não terá somente um batismo de fogo, mas passará por todos os
sacramentos católicos com a expectativa de que seu trabalho não receba a
extrema unção antes do Natal. Para comer o panetone confortavelmente, o
técnico precisará somar pontos contra Milan, Fiorentina, Napoli, Genoa,
Sassuolo e Lazio, além de pelo menos vencer os dois jogos que faltam
para a Beneamata na Liga Europa, torcendo para que os outros resultados
do grupo favoreçam a seu time. Tudo isso, é claro, condicionado a uma
melhora no futebol da equipe e na correção de problemas defensivos – fã
de basquete, Pioli deve incorporar movimentos adaptados da quadra para
os gramados.

Um
grande percalço – e nisso eu e o Arthur concordamos – é que o emiliano
chega ao clube em meio a uma data Fifa, o que atrasará seu conhecimento
dos jogadores que deixaram Appiano Gentile para defender suas seleções.
Às vésperas do clássico contra o bom Milan de Vincenzo Montella, isso
pode ser problemático (ainda que um jogador importante, como Icardi, já
tenha participado de treinamentos com Pioli). Quanto antes o novo
técnico conhecer a fundo os problemas e as qualidades do elenco, mais
rápido a Inter poderá jogar bem.

Em relação ao quadro atual de problemas do elenco nerazzurro, o La Beneamata é didático. “As transições defensivas são um desastre e os jogadores estão longe de
bom condicionamento físico. O novo treinador precisa resolver as situações de Gabriel (precisa jogar
mais), Kondogbia (perdeu confiança), Banega (está mal fisicamente) e a
dependência pelos gols de Icardi – não exatamente um problema, desde que
os outros não sejam omissos como têm sido”.

Na
minha avaliação, Pioli tem em mãos um elenco com características
similares ao da sua surpreendente Lazio, em 2014-15. Naquele time o
principal jogador era Candreva, que atualmente é titular dos nerazzurri e
certamente exercerá função central sob o comando do novo treinador.
Além disso, Perisic, Éder e Gabriel podem fazer funções análogas às de
Felipe Anderson; Banega e Biglia atuam de forma bastante parecida;
Icardi tem o mesmo faro de gol de Klose e João Mário e Brozovic são
jogadores que podem reger o meio-campo e marcar com muito mais qualidade
que Parolo. Em termos táticos, tudo se encaixa, já que o grupo foi
construído para atuar no 4-2-3-1 ou no 4-3-3, dois dos módulos
prediletos do treinador.

Além
disso, o fato de Pioli ser torcedor de longa data da Inter será
importante – pode parecer pouco, mas o coração conta muito na Itália.
Atingir o cargo de maior prestígio em sua carreira justamente no clube
do qual é torcedor certamente motiva Pioli a se dedicar em dobro,
sobretudo porque o emiliano chega com o status de tampão, apesar do
contrato até 2018. Não será novidade se ele experimentar o impossível
para garantir mais tempo no cargo e, quem sabe, entrar para a história
do clube como peça-chave em sua reconstrução.

O que o resultado do casting interista significa para os bastidores do clube

Pioli
foi escolhido como novo técnico da Inter de uma maneira insólita:
através de um casting. Diretores do clube se reuniram com três
diferentes profissionais para a realização de entrevistas, com o intuito
de descobrir qual projeto seria melhor para o clube no momento. A ideia
soa estranha, mas o que ela revelou mesmo foi uma clara divisão nos
bastidores do clube.

A
Suning, empresa chinesa que comprou a maior parte das ações da Inter em
2016, orbitava entre as propostas estrangeiras do empresário
Kia Joorabchian (aquele mesmo, que levou a MSI ao Corinthians): Guus
Hiddink, Vítor Pereira, André Villas-Boas e Marcelino García Toral. “O
último foi o mais aprovado e também se reuniu com o clube. Porém, não
com Ausilio e Gardini, que, novamente, em tese, deveriam decidir isso”
.
Isso dá uma ideia do quanto a Suning está perdida em relação ao
gerenciamento de um clube grande, pois até agora não apresentou um homem
forte no futebol e está refém das indicações (parciais) de um empresário de reputação nebulosa.

Marcelino
ficou muito perto da Inter e até seria uma boa para um projeto de
início de temporada. Receoso de terminar como De Boer, pediu salário
alto, contrato longo e carta branca. Foi a deixa para que a queda de
braço na Inter fosse vencida pelos “homens do futebol”, que já estão na
Inter desde os tempos de Massimo Moratti. Javier Zanetti,
vice-presidente empossado por Erick Thohir, e o diretor esportivo Piero
Ausilio preferiam uma solução “caseira”, que acalmasse o ambiente com
mais rapidez e que não necessariamente significasse um projeto a longo
prazo. A Suning acatou a ideia, mesmo que Pioli não fosse sua
preferência e indicação – tal qual o fizera com De Boer, benquisto por
Thohir, e o mesmo que o indonésio fez ao integrar Roberto Mancini, um
candidato de Moratti.

Nem quatro meses: De Boer foi fritado rapidamente na Beneamata (Reuters)

A
lição que este episódio deixa é a mesma trazida à tona por vários
clubes com gestões inovadoras e com o objetivo principal de sanear as
contas. Nem sempre quem entende de finanças entende de bola. Na situação
específica da Inter, o La Beneamata deu o gabarito – a não ser pela
menção a Zanetti, da qual discordo.

É justamente nessa área [o futebol] – a essência da
Inter – que a direção tem errado constantemente na década mais dramática
da Beneamata. São nove treinadores em seis anos, sendo que nenhum saiu
bem de Milão, sem contar as várias contratações que não vingaram, muito
por má avaliação e falta de um ambiente para fazer futebol com seriedade
e profissionalismo. Hoje os nerazzurri têm um presidente (Erick
Thohir) que não é a principal voz do clube; um vice-presidente (Javier
Zanetti) figurão e que tem tido péssimas atitudes; um diretor executivo
(Michael Bolingbroke) que em três anos ainda se comunica mal na língua
local e tem pouco contato com o futebol; um gerente de futebol (Giovanni
Gardini) que ninguém conhece, nunca ouviu a voz e não se sabe o que
faz; perdeu o chefe de olheiros (Massimiliano Mirabelli) para o rival há
dois meses e ainda não o substituiu; além de um diretor esportivo
(Piero Ausilio) que acumula várias funções e não tem qualquer apoio.

A
propósito, a mudança de treinadores também gerou alteração no quadro
administrativo do clube: o CEO Bolingbroke se demitiu. Sai mais um homem
de Thohir e vem aí um executivo da Suning, que herdará os projetos de
reajuste nas contas da Beneamata.

De Boer, o bode expiatório

Arthur disse tudo sobre a queda de Frank De Boer.
Era praticamente impossível que um treinador estrangeiro obtivesse
sucesso e um trabalho sólido ao assumir o cargo faltando duas semanas
para o primeiro jogo da Serie A, principalmente e com um elenco com
sério atraso na preparação física. Ou seja, o holandês precisava de
tempo e apoio, o que não aconteceu. Sem fazer a Beneamata apresentar um
futebol eficiente na maioria das partidas e com pífios resultados (5
vitórias, 2 empates e 7 derrotas), Frank durou somente 84 dias na Inter,
e não conseguiu oferecer perspectivas de mudanças empolgantes na
filosofia nerazzurra e do próprio jogo italiano. É o técnico que menos
tempo ficou no clube, sem contar os interinos.

Não há
dúvidas que a demissão do ídolo de Ajax e Barcelona tem origem no caos
dos bastidores do clube. Em uma das temporadas em que mais se gastou com
transferências no lado nerazzurro de Milão, a diretoria permitiu que
Mancini ficasse no cargo a contragosto, sem ter os reforços que havia
pedido, e decidiu demiti-lo às vésperas do campeonato, levando para seu
lugar uma incógnita – que nunca teve seu projeto realmente apoiado, até
porque não conseguiu fazer os jogadores comprarem seus conceitos.
Planejamento zero. Foco, idem.  

Antes de ser
demitido, De Boer declarou que contratar um novo técnico não iria
resolver os problemas da Inter de um dia para o outro – o óbvio
ululante. Por enquanto, sua exoneração serve como álibi para diretores e
jogadores fugirem de suas responsabilidades e apenas coloca uma cortina
de fumaça para despistar o furdunço que há nos bastidores da Beneamata.
Resta saber se Pioli será o próximo bode expiatório ou se a cartolagem
vai parar de somente tirar o sofá da sala.

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