Serie A

Jogo à italiana: a história dos esquemas táticos no futebol da Bota – parte 4

Chegou a hora de dar tchau. O especial sobre tática do Quattro Tratti chega à sua quarta e última parte. Ao longo de um mês, em um texto semanal, dissecamos tudo o que aconteceu em cerca de um século de futebol no futebol italiano. Hoje, falaremos sobre o que aconteceu nos anos 1990, na primeira parte dos anos 2000 e o que tem sido feito hoje em dia pelos treinadores do Belpaese. Confira as três outras partes da série e boa leitura.

>>> Parte 1: WM, WW, Vittorio Pozzo e o Grande Torino: as origens do estudo tático
>>> Parte 2: Catenaccio, zona mista e o jogo à italiana 
>>> Parte 3: A revolução de Sacchi e o tradicionalismo de Capello e Lippi

A passagem de bastão
Depois dos anos 1990, o fator Arrigo Sacchi e o domínio dos times de Fabio Capello e Marcello Lippi, o futebol italiano teve a polarização entre Juventus e Milan até, pelo menos, metade dos anos 2000. Outros clubes ainda conseguiram competir, mesmo que sem o scudetto, como a Fiorentina de Francesco Toldo, Rui Costa e Gabriel Batistuta, treinada por Claudio Ranieri, Alberto Malesani e Giovanni Trapattoni, o Parma dos grandes investimentos da Parmalat com Nevio Scala, Carlo Ancelotti e Malesani e a Inter da época instável e gastadora de Massimo Moratti, de bons resultados com Luigi Simoni e Héctor Cúper.

Somente dois times quebraram a dualidade entre rossoneri e bianconeri: a dupla de Roma, na passagem do século XX para o XXI. A ambiciosa Lazio, de tantos investimentos, talentos e comandada por Sven-Göran Eriksson, foi a primeira a levar o scudetto com um 4-4-2 fora do contexto trazido pelo Milan de Sacchi. O time do sueco não tinha a rigidez de Capello ou a agressividade de Sacchi, mas era uma equipe organizada e criativa, que usava muito a potência de Pavel Nedved, Dejan Stankovic e Marcelo Salas, mas também aproveitava bastante a leitura de jogo e liderança de Roberto Mancini, Juan Sebastián Verón e Alessandro Nesta.

Na temporada seguinte, foi a vez da surpreendente Roma de Capello. O clube de Franco Sensi se reforçou bastante e formou elenco forte, mas a surpresa se deveu pela forma que Capello decidiu organizar seu time. A estratégia e modelo de jogo continuaram os mesmos, mas o sistema tático mudou drasticamente, passando do seu consolidado 4-4-2 para um 3-4-1-2, que buscava dar sustentação para Francesco Totti no apoio aos artilheiros Batistuta e Vincenzo Montella (às vezes, Marco Delvecchio) e ainda aproveitar toda a ofensividade dos laterais, agora alas, Cafu e Vincent Candela, com o sólido trio de defesa formado por Antônio Carlos Zago, Walter Samuel e Jonathan Zébina, auxiliados pelos aguerridos Cristiano Zanetti e Damiano Tommasi.

Batistuta, Capello, Sensi e Totti: grande parte da história da Roma (Allsport)

Era até mesmo uma resposta para os tantos 4-4-2 e 4-3-1-2 que começaram a ser utilizados na época. Com as duas linhas de quatro, muitos viram este esquema como a melhor forma para defender, com linhas baixas e compactas, além de aproveitar o talento dos vários fantasistas que surgiram nesse contexto. Eram trequartista ou seconda punta, camisas 10 atacantes e que, depois de Roberto Baggio, popularizariam o termo “nove e meio”. No 4-3-1-2, outros preferiram dar liberdade aos laterais, ter proteção com o trivote atrás do trequartista, o fator de desequilíbrio do time, com um dupla de ataque que se completava, como na zona mista: um mais fixo, outro mais livre.

Mas a solução de Capello não voltaria a render outro scudetto para os giallorossi, que ficaram com o vice no ano seguinte. Isso porque a Juventus, depois de vender Zinédine Zidane e Pippo Inzaghi a peso de ouro, se reforçou de maneira inteligente. Depois de rescindir com Ancelotti – tópico importante nessa parte, a última do especial -, a Velha Senhora trouxe Lippi de volta. O técnico “descobriria” o 4-4-2 como a melhor forma de explorar seus talentos e que combinaria muito bem com o futebol de equilíbrio que sempre privilegiou, aproveitando o trabalho do antecessor. Com seu cigarrinho, comandou mais dois scudetti, antes de ser substituído por Capello, que novamente manteve a base construída ainda por Ancelotti e potencializou um time que dominou por completo o futebol italiano por dois anos, mas acabou marcado pelos títulos retirados por causa do envolvimento no Calciopoli.

O aprendizado com os mestres e as vitórias em campo
Ao mesmo tempo, Carlo Ancelotti começava a se consolidar como grande treinador. Autor de uma das melhores teses de Coverciano – como destacado nessa antiga matéria da BBC; e você pode acessar grande quantidade das teses do centro esportivo italiano aqui -, Don Carlo aprendeu com muita gente antes de assumir o posto de treinador – foi pupilo de Nils Liedholm e Arrigo Sacchi, dois dos grandes técnicos que o futebol da Itália já teve. Reconhecidamente um jogador com boa leitura de jogo e atributos técnicos, muito trabalhador e versátil no meio-campo, quando ainda jogava era quase como um segundo treinador do time. Justamente o posto que assumiu após a aposentadoria, quando foi auxiliar de Sacchi na seleção italiana.

Uma grande experiência antes de assumir a Reggiana por uma temporada, na qual levou a equipe para a Serie A, e ser contratado pelo Parma, substituindo Nevio Scala, em 1996. No lugar do 3-5-2 do velho treinador, a defesa a quatro e marcação por zona que os times que Ancelotti jogou tanto prezavam. O esquema tirou espaço de Gianfranco Zola, por causa da utilização de Enrico Chiesa e Hernán Crespo – isso levou o atacante pra o meio-campo e acelerou sua saída para o Chelsea –, mas mostrou grande organização e teve bons resultados: o Parma alcançou a segunda posição no campeonato, a apenas dois pontos da campeã Juventus.

Na Juventus, apesar do bom início, Ancelotti acabou não tendo grande admiração, até pela falta de títulos em duas temporadas e meia – em duas vezes, amargou o vice. Mesmo com Zidane, seguiu com seu 4-4-2, com o francês voltando às origens posicionado na esquerda do meio-campo. E, nesse sentido, antecedeu Lippi e Capello na predileção pelas duas linhas de quatro que seriam a marca da Juventus nos próximos anos.

Uma das duas conquistas da orelhuda por parte de Ancelotti no Milan (AFP/Getty)

Demitido para a volta de Lippi à Turim, retornou para Milanello com o objetivo de substituir Fatih Terim. Seus antecessores tiveram vida curta em Milão, mas Ancelotti manteve-se firme mesmo com as críticas de Silvio Berlusconi por, na sua opinião, ser defensivo. Em oito anos de San Siro, Carletto aproveitou suas argumentações na tese feita em Coverciano e mudou alguma das suas ideias que utilizara na Serie A até então. Il Futuro del Calcio: Più Dinamicità (em tradução literal, O Futuro do Futebol: Mais Dinamismo) era o título do artigo, e foi a partir dele que o treinador realmente trouxe mais dinamismo com o novo sistema tático usado pelo Diavolo.

Ancelotti conquistou apenas um scudetto em todo o tempo que treinou o Milan e falhou em competir com a Inter depois a queda da Juventus na segunda metade dos anos 2000. A sua passagem como técnico por Milanello, no entanto, foi bastante vitoriosa, já que em termos de Liga dos Campeões, seu time chegou a três finais e ganhou duas. Assim se fez sua influência no futebol.

A fórmula de Ancelotti era simples, e partia do trivote, o trio de meio-campistas na frente da defesa. No Milan, reuniu um “cão de guarda” (Gennaro Gattuso), um talentoso meia-atacante (Andrea Pirlo) e outro meia ofensivo igualmente talentoso, técnico e inteligente (Clarence Seedorf). Gattuso era responsável por destruir as jogadas adversárias e apoiar as ultrapassagens do lateral (Cafu, a partir de 2003; antes tinha um quarteto defensivo que pouco apoiava ofensivamente). Por sua vez, Pirlo, muito técnico e inteligente, hábil nos dribles e passes decisivos, sem contar a bola parada, jogava à frente dos zagueiros, reinventando a função do regista, aproveitando o experimento de Carlo Mazzone no Brescia de Baggio. Para completar o setor, Seedorf fazia a distribuição e “administração” do jogo, retendo a bola e apoiando um clássico trequartista (Rui Costa), mais cadenciado, mas habilidoso e grande fornecedor de passes decisivos. Na frente, Inzaghi e Andriy Shevchenko davam dinamismo, desmarques e gols.

Jogando assim, o Milan foi quarto colocado em 2002, terceiro em 2003 – ano em que foi campeão da Liga dos Campeões superando Inter e Juventus –, e campeão em 2004, enfim com Cafu e Kaká, que trariam ainda mais dinâmica e qualidade para a organizada equipe de Ancelotti. O lateral deu apoios providenciais pela direita, com suas ultrapassagens e cruzamentos, enquanto o jovem meia-atacante trouxe mais potência com suas arrancadas e chutes, mantendo cota de gols, e alternativas táticas para o treinador emiliano. Posteriormente, o brasileiro assumiria o posto de Rui Costa como trequartista, com e faria a equipe funcionar de forma diferente, dando maior protagonismo e importância para Pirlo e Seedorf.

Mas foi mesmo com nova mudança no sistema tático que Ancelotti chamaria mais atenção. O treinador passou do 4-3-1-2 para o 4-3-2-1, consagrando a “árvore de Natal” com o título da Liga dos Campeões de 2007 sobre o Liverpool, vingando a derrota de 2005 para os Reds. Na nova formação, Massimo Ambrosini atuava na esquerda da primeira linha do meio-campo, oferecendo mais combate e dando outros movimentos, apoiando com infiltrações e equilibrando os apoios de Marek Jankulosvki, enquanto Seedorf passou a atuar mais à frente, ainda operando como o gestor do time, combinando com Kaká e suas arrancadas partindo da direita. Intencionalmente, o novo sistema permitiu maior variabilidade no posicionamento, muitas vezes se comportando com duas linhas de quatro (uma volta às origens), com Gattuso e Seedorf abertos.

Depois de se desgastar nos anos finais, no qual viu o Milan passar pelo início de sua crise técnico-financeira, Ancelotti mostrou ser um dos principais treinadores do futebol italiano nas últimas duas décadas. As influências de Liedholm, Sacchi e da escola holandesa, por tabela, foram úteis para que ele se mantivesse como um dos treinadores mais requisitados da fase contemporânea do esporte. Não à toa, Carletto conseguiu contratos milionários em Chelsea, Paris Saint-Germain e Real Madrid. Não à toa, também, conquistou títulos nos três países – e mais uma orelhuda para seu currículo.

Um pouco mais novo que Ancelotti, Roberto Mancini também teve boas referências antes de assumir a carreira de treinador. Por 14 anos, só teve dois treinadores – que, na verdade, também eram diretores técnicos, ou managers – e que acabaram influenciando bastante o jogador e o homem Mancini. Na Sampdoria, ficou seis anos sob a batuta de Vujadin Boskov, comandante do time que venceu o scudetto em 1991 e jogou a final da Copa Europeia em 1992. Seu substituto foi Sven-Göran Eriksson, com quem Mancini desenvolveu longo relacionamento profissional. Enquanto jogador, Mancio usava sua influência e liderança sobre o grupo para aparecer quase como um segundo treinador. Quando o sueco foi para a Lazio, Mancini o seguiu, e após aposentar-se assumiu o posto de vice-treinador da equipe.

Mancini aproveitou ensinamentos de técnicos estrangeiros e montou a base tática de uma Inter vencedora (AFP/Getty)

Mancini teve sua primeira experiência como treinador em uma Fiorentina prestes à falência, ainda sem a licença máxima de treinador, substituindo Fatih Terim em março de 2001. O que não o impediu de guiar o aguerrido time para o título da Coppa Italia naquele ano, num simples e improvisado sistema tático, com duas linhas de quatro atrás de Rui Costa e Chiesa, fórmula que acabou seguindo nos meses seguintes até pedir a demissão em janeiro.

Em sua tese de Coverciano, Mancini focou na função de trequartista, que tanto desempenhou na sua carreira de jogador. No seu trabalho seguinte, na Lazio, acabou não utilizando alguém assim, preferindo se restringir ao 4-4-2 com um meio-campo trabalhador e criativo com Stefano Fiore, Giuliano Giannichedda, Stankovic e César e dupla de ataque que se completava: um mais fixo (Bernardo Corradi) e outro mais livre (Claudio López). Dessa forma, foi quarto colocado em 2003 e novamente campeão da copa em 2004.

Aproveitando a turbulência financeira da Lazio, a Inter aproveitou e contratou o treinador jesino, escolhido para guiar o novo time e dar um pouco de estabilidade ao elenco. E aos poucos conseguiu, conquistando mais uma vez a copa na primeira temporada, acompanhada de um terceiro lugar curioso no campeonato, com apenas duas derrotas no ano, mas recordista em empates – 18. Em 2006, com o escândalo Calciopoli viu seu time, novamente terceiro colocado, acabar campeão da Serie A com as punições a Juventus e Milan.

Em Appiano Gentile, foram dois anos de 4-4-2, nos quais Mancini não fugiu do seu script: duas linhas de quatro simples e compactas, defesa bem coordenada (Toldo, Javier Zanetti, Iván Córdoba, Marco Materazzi ou Samuel e Giuseppe Favalli), meio-campo que reunia força e técnica (Stankovic, Cristiano Zanetti, Esteban Cambiasso e Verón na sua primeira versão; Luis Figo, Stankovic, Cambiasso e Verón na seguinte) e ataque potente (Christian Vieri, Adriano, Obafemi Martins e Julio Cruz). Com o declínio físico de Figo e a chegada de Zlatan Ibrahimovic, além de laterais mais apoiadores – Maicon, Maxwell e Fabio Grosso -, Mancini passou a buscar novas soluções. E mesmo sem um sistema tático consolidado, fez sua melhor campanha em 2007, sofrendo apenas uma derrota e quase chegando aos 100 pontos.

Somente na sua última temporada – graças aos seguidos insucessos na Europa, apesar do domínio no país -, Mancini consolidou o 4-3-1-2, depois de largar o 4-4-2 e não ter agradado no 4-3-3. No esquema, redescobriu Stankovic como meia-atacante atrás de Ibrahimovic e Cruz, e deu início à dupla Maicon-Zanetti pela direita, com os potentes apoios, ultrapassagens, cruzamentos e chutes do ofensivo lateral brasileiro e a cobertura do veterano ex-lateral argentino, confortável no meio-campo, dando equilíbrio ao time e liderando a partir dali.

Uma sólida base que seria continuada e melhorada por seu sucessor, José Mourinho, adepto do 4-3-1-2 e também sem muito sucesso nos experimentos com o 4-3-3. Em duas temporadas em Milão, o treinador de Setúbal utilizou alguns conceitos já introduzidos por Mancini, e aplicou reais diferenças em métodos de treinamento, abordagens de situações de jogo e preparação psicológica. Ao mesmo tempo, contou com peças mais adequadas para o seu entendimento de futebol. Assim, aperfeiçoou o time.

Apenas na temporada seguinte, após mercado ativo e sob suas orientações, é que o treinador português se sentiu confortável em utilizar pontas, com a contratação de Samuel Eto’o, adaptado à ponta direita, e Goran Pandev, no mercado de inverno, na esquerda – completando o trio com o artilheiro Diego Milito, também recém-chegado. Atrás, Wesley Sneijder era o criador, fundamental nos passes decisivos e bola parada. O holandês era apoiado por Cambiasso e Thiago Motta, a dupla de volantes que se completava e dava sustentação para o novo sistema tático do time, o 4-2-3-1, utilizado na campanha europeia que levou ao triplete em 2010. Naquele time, destaca-se, ainda, o fato de a defesa atuar com linhas mais baixas, por causa das características do treinador e também de seus jogadores – Lúcio, Samuel e Christian Chivu.

Os outsiders
Em especial, pelos resultados que alcançaram e impacto que tiveram, cinco treinadores também tiveram relevância nessa época, entre os anos 1990 e 2000. O mais chamativo, certamente, foi Zdenek Zeman. O revolucionário treinador checo, ao lado do seu inseparável maço de cigarro, criou um frisson no futebol italiano no início dos anos 1990 com sua estratégia ofensiva e um 4-3-3 particular que seria apelidado de Zemanlandia.

Não bastasse já colocar em prática um estilo ousado de futebol, o boêmio ainda fazia isso em equipes pequenas, algo muito raro no futebol mundial – e muito mais em um país de técnicos conservadores, como a Itália. À época, muitos times de menor expressão, pequenos ou de meio de tabela, ainda reciclavam, algumas vezes com sucesso, versões do futebol do catenaccio e da zona mista. Um grande exemplo foi o Torino de Emiliano Mondonico, que chegou a brigar na parte de cima da tabela e atingiu a final da Copa Uefa. O mesmo fazia o Genoa de Osvaldo Bagnoli, que fora campeão com o Verona em 1984.

Mondonico, Zeman e duas formas completamente diferentes de ver o mesmo esporte (LaPresse)

A primeira versão do modelo de jogo zemaniano a chamar atenção teve espaço no Foggia, que subiu da Serie B para dar espetáculo na já badalada liga italiana. Um time sem escrúpulos, que gostava apenas de atacar e pressionar o adversário com o maior número de jogadores possível no campo ofensivo, sem se preocupar em levar gols e perder jogos. Mesmo que às vezes acontecessem derrotas acachapantes, como o famoso 8 a 2 sofrido em casa diante do Milan, em 1992.

Mesmo com a tática suicida, Zeman conseguiu bons resultados e se mostrou um ótimo desenvolvedor de jovens talentos, revelando dezenas de jogadores ao longo da sua carreira. Craques como Nesta e Totti, nos seus tempos na capital italiana, quando treinou Lazio e Roma e, apesar da falta de títulos e equilíbrio tático, chegou a brigar no topo da tabela e disputar competições europeias.

Também se destacaria pelas polêmicas declarações e acusações contra a Juventus, o que acabaria prejudicando seu trabalho no Belpaese. Somente nos anos 2010 voltaria a fazer outro bom trabalho, novamente pelo Foggia e revelando mais jogadores – Lorenzo Insigne e Marco Sau, por exemplo –, mas, especialmente, no Pescara em 2012, campeão da Serie B com recorde de gols marcados – lá, deu destaque novamente a Insigne, e também a Ciro Immobile e Marco Verratti.

Não tão ofensivo e destemperado quanto Zeman, Alberto Zaccheroni chamou atenção pelo seu sistema tático incomum para a época, também agressivo e com predileção pelo ataque. No seu 3-4-3, fez boas campanhas pela Udinese, inclusive um terceiro lugar em 1998, consagrando trio de ataque que contava com Oliver Bierhoff e Amoroso.

Currículo que chamou atenção de Berlusconi, profundo admirador do futebol ofensivo, que o contratou – assim como seus jogadores Bierhoff e Thomas Helveg – para a temporada que marcaria o centenário do clube, e que acabou com o scudetto, em 1999. Os anos seguintes, porém, não foram tão bons e os insucessos na Liga dos Campeões acabaram custando seu emprego  Sempre fiel ao seu sistema tático, apesar das críticas, emplacou trabalhos irregulares por Lazio, Inter, Torino e Juventus, entre intervalos de dois a três anos, sem jamais voltar a ganhar títulos – até assumir a seleção japonesa, treinando de 2010 a 2014 no país asiático.

Com futebol baseado na posse de bola, Prandelli treinou Fiorentina e a seleção (Getty)

Mais recentemente, Gian Piero Gasperini, seguiu o legado de Zaccheroni e seu 3-4-3, mesmo sem ter qualquer relação com o técnico romanholo. Depois de quase dez treinando na base da Juventus e trabalhos pelo Crotone, emplacou boa sequência pelo Genoa. Da Serie B, em 2006, levou o clube de Enrico Preziosi para a Liga Europa em 2009. Seu modelo de jogo respondeu bem na Ligúria, com encaixes individuais, marcação agressiva e muito jogo pelas laterais, com os apoios dos alas e grande participação dos pontas.

No entanto, o técnico piemontês teve resistência quando assumiu uma enfraquecida Inter. Sua experiência em Milão durou apenas quatro partidas, nas quais acumulou três derrotas e um empate. Além dos maus resultados e planejamento equivocado da diretoria, Gasperini causou desconforto ao utilizar Zanetti como zagueiro e Sneijder em posicionamento mais recuado – nada muito absurdo para quem conhece o seu trabalho e vê como ele gosta de experimentar. Depois de experiência sem sucesso pelo Palermo, voltou ao Genoa em 2013 e voltou a engatar bom trabalho, com nova vaga para a Liga Europa em 2015 –  a falta de licença do clube impediu a participação no torneio europeu.

Apesar de ser o primeiro a conquistar o scudetto no 4-2-3-1, Mourinho não foi o primeiro a utilizar o esquema com bons resultados na Itália. Antes, em 2005, Luciano Spalletti chamou atenção com sua Roma, um grande incômodo para a Inter nos anos de baixa da Juventus e de insucesso nacional do Milan. Entre 2006 e 2010, os giallorossi foram vice-campeões quatro vezes, levando ainda duas copas.

Em tática muito parecida com a da França de Raymond Domenech naqueles anos, Spalletti inovou no Belpaese ao utilizar Totti mais avançando, não mais trequartista, mas como falso nove, largando o centro do ataque para transitar na intermediária e circular a bola com o trio de meio-campistas romanista (Daniele De Rossi, Simone Perrotta e David Pizarro ou Alberto Aquilani) e acionar os pontas (Rodrigo Taddei, Mancini e Mirko Vucinic), que garantiam profundidade e infiltrações na área juntamente com Perrotta. A defesa, com Doni, Christian Panucci, Philippe Mexès e Chivu também era ponto forte do único time que ainda competia com a Inter.

Na mesma época, Cesare Prandelli também conseguiu bons resultados com a Fiorentina no 4-2-3-1 – e às vezes no 4-3-1-2 –, levando o clube toscano para a Liga dos Campeões depois de longos anos. No organizado time do treinador, se consagraram os centroavantes Luca Toni e Alberto Gilardino, além do atacante romeno Adrian Mutu, que viveu seu auge em Florença. Naquele período, ainda foram revelados outros bons atacantes, como Pablo Daniel Osvaldo, Giampaolo Pazzini e Stevan Jovetic. Chamava atenção também o meio-campo técnico, com Riccardo Montolivo, Fabio Liverani, Zdravko Kuzmanovic e Felipe Melo.

Prandelli, posteriormente assumiria a seleção italiana, e levaria à Nazionale alguns dos conceitos adotados no Artemio Franchi. A base do time era o meio-campo técnico, que valorizava a posse de bola, em uma clara inspiração no futebol que Espanha e Alemanha vinham trazendo naquele momento. Na tentativa de fazer a Itália jogar de forma mais contemporânea, mostrou ótimas ideias, boa observação e interpretação tática, principalmente no início do trabalho, com longas séries de invencibilidade em jogos oficiais, o vice-campeonato europeu, em 2012, e o terceiro lugar na Copa das Comfederações, em 2013. Depois, por não conseguir formar um time-base, acabou se perdendo na Copa do Mundo de 2014, e não evitou o vexame da Itália.

A volta da defesa a três
Zaccheroni e Gasperini utilizam – no caso do segundo, ainda – a defesa com três homens. No entanto, enquanto os dois concebem o artifício para oferecer alternativas ofensivas pelos flancos a seus times, alguns treinadores revisitaram, neste milênio, a disposição tática com três defensores com o intuito de reforçarem a defesa.

Walter Mazzarri, por exemplo, disseminou a defesa a três e seu 3-5-2 na Itália nos anos 2000 com uma postura mais rígida e estratégia defensiva. No Livorno, na Reggina, na Sampdoria e, especialmente, no Napoli, formou times que defendiam com linhas baixas, tendo capacidade para “sofrer” a pressão adversária, consagrar seus zagueiros e goleiros, mas também apresentar ricos contra-ataques e ataques diretos muito perigosos e eficazes. Na Inter, até pela forma com que era confrontado por outros, não teve sucesso nesse modelo de jogo e falhou em apresentar alternativas.

Sem dúvidas, o grande trabalho do técnico toscano foi no Napoli, no qual levou o clube de Aurelio Di Laurentiis, ainda se organizando financeiramente e sem grandes investimentos, para competições europeias e ao primeiro título desde a era Diego Maradona – a Coppa Italia, em 2012.

Mazzarri consagrou Camilo Zúñiga e Christian Maggio neste esquema: os alas versáteis, de contribuição defensiva e apoios dinâmicos, não se prendiam a cruzamentos da linha de fundo e buscavam o drible e infiltrações. No meio-campo, os jogadores se limitavam a passes curtos e simples, enquanto o trio de defesa era igualmente agressivo, com muitas antecipações e apoios laterais. Os azzurri tinham o jogo pelos flancos como base e  ponto de desequilíbrio, mas era o trio Marek Hamsík, Ezequiel Lavezzi e Edinson Cavani que fazia a diferença e decidia na frente. O dinamismo de Hamsík ligava os setores, e o eslovaco ainda entrava na área e distribuía assistências. Lavezzi oferecia individualidade, dribles e jogadas rápidas pelos lados, enquanto Cavanai aparecia com oportunismo, ótimos desmarques, corridas em ataques rápidos, aproveitando ao máximo seu grande poder de finalização.

Conte repensou convicções para se sagrar tricampeão nacional (AFP/Getty)

Outro técnico que ficou marcado por apresentar três jogadores na defesa é Antonio Conte, mesmo que sua origem como treinador não venha daí. Da escola de Antonio Toma e Gian Piero Ventura, Conte cresceu como treinador no ofensivo 4-2-4, conseguindo bons resultados assim por Bari e Siena. A partir do sistema tático, estratégia e modelo de jogo bem definidos, tinha a predileção por toques curtos na saída de bola, uma defesa sem muito apoio ofensivo (em termos de ultrapassagens), mas com apoio na manutenção da posse e circulação da bola junto aos dois meio-campistas, um mais combativo, indo de uma área à outra, outro mais criativo, com passes decisivos e lançamentos.

O ataque era particular, com pontas de bom ritmo e trabalho de equipe, que davam profundidade e jogo lateral, enquanto os centrais eram ágeis com toques curtos, movimentando-se no último terço, com um entre os zagueiros e outro circulando atrás. Era essa a base do 4-2-4 que Conte conseguiu exportar para um grande time e elenco mais completo, a sua Juventus tricampeã italiana.

Foi com Conte que a maior campeã italiana acertou um projeto após anos de ostracismo com Claudio Ranieri, Ciro Ferrara, Zaccheroni e Luigi Delneri. Todos treinadores medianos, sem grandes ideias e que não conseguiram dar o salto final em Turim. Diferentemente do ambicioso e renovador Antonio Conte. Com uma boa equipe o auxiliando e um mercado inteligente da diretoria, aos poucos deu consistência ao time e engatou três scudetti, encaminhando o trabalho para seu sucessor potencializá-lo – Massimiliano Allegri, que levou a Vecchia Signora para a final da Liga dos Campeões em 2015.

Com as peças que tinha em mãos, Conte reconfigurou suas ideias táticas. Para encaixar Vidal, depois de experimentos com o 4-2-3-1, encontrou confiança e equilíbrio com o 4-3-3, seguindo praticamente as mesmas premissas do antigo modelo, mas com um homem a mais no meio-campo para dar suporte a Pirlo na criação das jogadas. Assim, o técnico acabava exigindo também dos zagueiros – especialmente de Leonardo Bonucci – maior contribuição na gestão da posse e controle  do jogo. Dessa maneira, foi campeão italiano na primeira temporada.

Mas Conte não estava convencido e, percebendo novas tendências no campeonato e no futebol em si, viu no 3-5-2 a oportunidade de potencializar ainda mais sua equipe. Com o novo sistema, que tinha inspirações da zona mista, ainda que preservando a marcação por zona, como a variação para o 4-4-2. Mesmo com a mudança de posicionamento e novas funções, o treinador preservou a compactação dos setores, com e sem a bola, controlando o jogo com a posse da pelota ou com linhas baixas. Preservou a liberdade para Pirlo, melhorando-a, na verdade, com Bonucci se tornando uma espécie de líbero e o apoio dos zagueiros laterais, criando novas linhas de passe.

Os alas se comportavam como os pontas do 4-2-4, dando amplitude e profundidade, mas com liberdade para entrar na área e sem se prender a jogadas de linha de fundo. A dupla de ataque, por sua vez, seguiu com o mesmo funcionamento, com um entre os zagueiros e outro livre na intermediária, bem como os meio-campistas ao lado de Pirlo. “Motorzinhos”, indo e voltando com bom ritmo, infiltrações, chutes de longe e apoios aos alas, atacantes e ao regista.

Assim, Conte dominou a Itália com seu futebol impositivo, que acabou sendo copiado por outros à sua maneira, quase sempre por uma estratégia defensiva, espelhando seu 3-5-2 com linhas baixas e alas convertidos a laterais – na verdade, 5-3-2. Fora do Belpaese, alguns também importaram algumas ideias, como mesmo Pep Guardiola, utilizando algumas ferramentas para o controle do jogo e o pressing alto, como os zagueiros avançados e com apoios laterais, os alas convertidos a pontas, abrindo o campo e criando linhas de passe, assim como a circulação do trio de meio-campistas no campo adversário.

Agora, em um momento em que a Serie A renova os treinadores e começa a receber mais aporte financeiro, o que virá pela frente? Técnicos como Vincenzo Montella, Maurizio Sarri e Eusebio Di Francesco ajudarão a entendermos o que a Itália irá produzir de novo em termos táticos nos próximos anos.

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