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A curiosa passagem do soviético Sergei Aleinikov pela Itália

No final dos anos 1980, uma revolução marcou o futebol: jogadores da União Soviética, uma das potências do esporte naquela época, foram liberados para atuar em países capitalistas. O mais forte campeonato daqueles tempos, a Serie A, seria o destino óbvio melhores de alguns dos atletas do bloco comunista, como Sergei Aleinikov. Um dos pioneiros dessa nova era, o bielorrusso atuou por Juventus e Lecce e teve uma passagem agridoce pelo Belpaese.

Aleinikov nasceu em Minsk, atual capital de Belarus e, à época, uma cidade importante da União Soviética. Ainda jovem, ele dividia seu tempo entre o trabalho em uma fábrica, o serviço militar – chegou a ser tenente –, a faculdade de educação física e a carreira no Dinamo Minsk, maior time de sua cidade. A rotina aparentemente estafante não impedia que o meio-campista se dedicasse em dobro nos treinamentos e impressionasse o técnico Eduard Malofeyev: foi com ele que Aleinikov subiu para o time principal, conquistou o Campeonato Soviético e foi convocado para a seleção pela primeira vez, em 1984.

Meio-campista versátil, Aleinikov costumava atuar como regista, pensando e organizando o jogo em uma posição mais recuada no gramado. No entanto, além de saber chegar bem à área para finalizar, o soviético chegou a ser improvisado em várias funções na carreira, pois tinha muita inteligência tática e força física: jogou como meia-atacante, lateral, líbero, zagueiro e volante.

Por causa de sua polivalência, Aleinikov foi peça fundamental na USSR de Valeriy Lobanovskyi, que fez boas campanhas na Copa do Mundo de 1986 e na Euro de 1988 – competição em que foi vice-campeã. No Mundial do México, o bielorrusso atuou nos quatro jogos dos soviéticos e fez um gol, contra a Hungria, mas não conseguiu evitar a queda nas oitavas de final em um jogo eletrizante contra a Bélgica. Já na Eurocopa, disputada em solo alemão, o meia foi ainda mais importante: marcou um bonito gol contra a Inglaterra, fundamental para a classificação ao mata-mata. Na final, escalado como zagueiro, não conseguiu conter a Holanda de Marco van Basten e Ruud Gullit.

A Juve superou o Genoa e levou o soviético para Turim (imago/Passage)

Um ano depois da Euro, Aleinikov trocou de clube: o governo socialista soviético implantou as políticas de Perestroika e Glasnost, permitindo aos cidadãos das repúblicas do bloco trabalharem fora do país. Com isso, ele estava destinado ao futebol italiano, mas um imbróglio arrastou a sua ida para a Serie A.

Recém-promovido à elite, o Genoa tentou a contratação do jogador de 27 anos, requisitado pelo treinador Franco Scoglio. O presidente Aldo Spinelli ofereceu 2,2 bilhões de velhas liras para contar com Aleinikov em um contrato de três anos, mas começou a negociar com a SovinterSport, empresa que normalmente gerenciava as transações com os soviéticos. Porém, as condições haviam mudado.

O Dinamo Minsk, assim como todos os outros Dinamos soviéticos, eram controlados pelo Ministério do Interior – dessa forma, como era empregado do estado, Aleinikov não poderia negociar diretamente com clube algum. O governo soviético acabara de fazer uma parceria com uma outra empresa de gestão de jogadores e, nesse meio tempo, além de subir o preço do jogador para 4,5 bilhões de liras, ficou sabendo do interesse da Juventus pelo bielorrusso. Por decisão de Moscou, o meia foi orientado a assinar com a Velha Senhora, que concretizou o chapéu nos genoveses.

Aleinikov, que já havia viajado à Itália para fechar as tratativas, chegou a Turim agraciado com dois carros da Fiat e apelidado de “o garoto do Parque Górki”. Além de reforçar o meio-campo, o bielorrusso ainda teria a missão de ajudar Oleksandr Zavarov, soviético adquirido no ano anterior para substituir Michel Platini, a se adaptar à Serie A: o meia não havia engrenado por causa de seu comportamento retraído.

Com a Velha Senhora, Aleinikov faturou os títulos da Coppa Italia e da Copa Uefa, em 1990 (Arquivo/Juventus FC)

Parecia que Aleinikov teria o mesmo destino de Zavarov: o início da sua passagem por Turim foi negativo e o bielorrusso, vaiado pela torcida, chegou a ser chamado de “Alentikov”, por sua lentidão – ocasionada pela demora em igualar a mesma forma física dos companheiros e adversários. No entanto, ele foi melhorando seu condicionamento e teve a confiança do técnico Dino Zoff, que lhe uma vaga de titular absoluto em seu 4-4-2.

Atuando quase sempre no centro do gramado, mas às vezes improvisado como líbero, Aleinikov entrou em campo em 50 das 54 partidas da Juve na temporada 1989-90 – marcou três gols, um deles diante do Genoa. A Velha Senhora venceu a Coppa Italia, a Copa Uefa e ficou na 4ª posição da Serie A, mas teve suas atuações criticadas ao longo do ano, o que fez com que Zoff deixasse o clube ao fim da campanha e desse lugar a Luigi Maifredi.

A chegada de Maifredi à Juventus fez com que a diretoria quisesse acionar uma cláusula contratual que Aleinikov desconhecia: mediante uma multa, ele poderia ser devolvido ao Dinamo Minsk após a primeira temporada. A empresa que gerenciava as carreiras dos soviéticos poderia colocá-los onde bem entendesse e, após o interesse do Lecce, o meia não voltou à URSS – sem que fosse consultado, Aleinikov foi atuar no sul da Itália. Naquele tempo, como os clubes não eram profissionais, os jogadores não sabiam direito como funcionavam os contratos.

Apesar de ter ido à força para o Salento (o salto da Bota), Aleinikov se adaptou muito bem à região – ao contrário de outros soviéticos, nunca teve problemas para se adequar ao estilo de vida nos países capitalistas. O jogador já havia passado um tempo na região durante a Copa de 1990, pois a União Soviética disputou partidas em Bari e Nápoles, e foi adquirido graças ao desejo do técnico Zbigniew Boniek. O polonês enxergava em sua versatilidade uma característica muito útil para uma equipe que lutaria contra o rebaixamento.

Liberado pela Juve, Aleinikov defendeu o Lecce, time em que foi colega de Mazinho e Pasculli (Getty)

Os giallorossi tinham um elenco razoável: os estrangeiros eram Aleinikov, o atacante argentino Pedro Pasculli e o polivalente brasileiro Mazinho, além de outros bons valores italianos, como Antonio Conte, Francesco Moriero e Pietro Paolo Virdis. Titular absoluto, o bielorrusso havia perdido estímulos para jogar no Lecce e foi rebaixado para a Serie B junto com a equipe, mas ainda assim Maifredi declarou que se arrependeu de tê-lo deixado sair da Juve, pois perdeu qualidade no meio-campo.

Aleinikov permaneceu na equipe apuliana para a disputa da segundona e continuou como titular, mas não viveu uma grande temporada. Embora fosse um dos times favoritos ao acesso, nem mesmo a contratação do técnico Albertino Bigon – recém-campeão com o Napoli – fez com que o Lecce competisse para retornar à elite. A equipe ficou na 8ª posição e a torcida chegou a quebrar os carros dos jogadores no centro de treinamentos. Em 1992, após disputar mais uma Euro, o contrato de Aleinikov acabou, mas ele permaneceu morando em Lecce durante um ano, aproveitando o clima agradável e as praias do Mar Adriático.

Com o fim do período sabático, o bielorrusso se transferiu ao Japão, país no qual foi ídolo, vestindo a camisa do Gamba Osaka. Depois de três anos na Ásia, Aleinikov – que, com a dissolução da URSS, ainda entrou em campo nas primeiras partidas da seleção de Belarus – teve uma breve experiência pelo IK Oddevold, da Suécia, e voltou à Itália para encerrar a carreira: aos 36 anos, jogou a quarta divisão pelo Corigliano, da Calábria.

Apaixonado pela Itália, Aleinikov continuou vivendo no país depois de se aposentar. Ele fez o curso de treinadores da Federação Italiana, em Coverciano, e treinou equipes de pouca expressão do país, como Anagni, Pontedera e Kras – além de ter sido técnico de Vidnoye e Torpedo-Metalurg Moscou, na Rússia, e Dainava Alytus, na Lituânia. Entre 2005 e 2007, o melhor jogador da história do futebol de Belarus ainda foi técnico das categorias de base da Juventus. Apesar da carreira digna e da importância para o esporte, os juventinos ainda se lamentam por não tê-lo visto mostrar o seu melhor no Piemonte.

Sergei Yevgenyevich Aleinikov

Nascimento: 7 de novembro de 1961, em Minsk, Belarus (antiga União Soviética)
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Dinamo Minsk (1981-89), Juventus (1989-90), Lecce (1990-92), Gamba Osaka (1993-96), IK Oddevold (1996) e Corigliano (1997-98)
Títulos: Campeonato Soviético (1982), Copa Uefa (1990) e Coppa Italia (1990)
Carreira como treinador: Anagni (1998), Pontedera (2000-01), Torpedo-Metalurg Moscou (2003), Vidnoye (2003), Kras (2007-08 e 2011-12) e Dainava Alytus (2014)
Seleção soviética: 77 jogos e 6 gols (4 partidas pela Comunidade dos Estados Independentes)
Seleção bielorrussa: 4 jogos e nenhum gol

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